Dª Lucilia parecia discernir
algum desígnio da Providência a respeito de seu filho, embora não o
compreendesse até o fundo. Certas atitudes dela o exprimiam claramente, como,
por exemplo, as orações assíduas que fazia por ele diante do altar dedicado ao
Menino Jesus em discussão com os Doutores da Lei, no Santuário do Sagrado Coração de Jesus. Intuía que a vida de Dr. Plinio seria inteiramente consagrada
a um alto ideal, e isso talvez exigisse dele alguns sacrifícios, como, por
exemplo, o manter-se solteiro.
Ora, ele ainda não se decidira
pelo celibato naquela época. Conheceu então uma moça que lhe pareceu simpática
e de bom caráter, cuja família pertencia à mais alta sociedade de São Paulo, e
tinha muitas posses. Julgando ser um bom partido, começou a se encontrar e
conversar com ela em algumas festas. Depois de certo tempo, resolveu levar
adiante seu projeto.
Tratando ambos, uma vez, a
respeito de música, afirmou ela não conhecer tais e tais discos. Ele disse que
lhos mandaria, e efetivamente o fez tão logo pôde. Ao enviar o presente, anexou
um cartão de visita. Pelo correio, ela mandou um cartão agradecendo.
Sobre a escrivaninha de Dr.
Plinio havia, fixo a uma placa de mármore, um baixo- relevo de metal que
representava Nosso Senhor dando a Sagrada Eucaristia a uma criança. A fim de
obter de Deus bom andamento para aquela questão, ele colocou atrás da placa de
mármore o cartão que recebera. Deixá-lo junto da imagem simbolizava um
constante pedido nesse sentido. Mas o incipiente compromisso acabou se
desfazendo e ele até se esqueceu de haver ali deixado o cartão.
Algum tempo depois, ao chegar
Dr. Plinio de seu escritório, Dª Lucilia abordou-o maternalmente, com ar de quem
descobrira um segredo ciosamente guardado:
— Então, hein?! Sua mãe ignorava...
Dr. Plinio, não fazendo ideia
do que se tratava, respondeu:
— Mas ignorava o quê, meu bem?
— Eu estava rezando por você, à
sua mesa, e vi aparecer por detrás daquele mármore uma pontinha de papel.
Fiquei curiosa de saber o que era, virei a placa e encontrei o cartão muito
amável de Fulana, agradecendo tão gentilmente um presente... Eu vejo bem o que
isso quer dizer...
Dr. Plinio então respondeu
jocosamente:
— Mas o que tem isso? A senhora
não vê todo o mundo casado? Eu vou me casar um dia...
E riu afetuosamente. Depois
disse:
— Ó mamãe, isso já está desfeito, não tem mais nada!
Dr. Plinio notou que um eventual
noivado seria uma decepção para ela. Mais tarde, quando resolveu adotar o
celibato, não lhe disse nada, porque considerava o assunto muito pessoal. Mas Dª
Lucilia acabou percebendo sua resolução e ficou deveras satisfeita.
Outros parentes também intuíram
que ele havia renunciado ao casamento para se entregar ao apostolado, e
comentavam o fato em conversas de família. Um dia, alguém disse que assim era
melhor, pois, pelo seu modo de ser enérgico, ele não daria um bom marido. Dª
Lucilia imediatamente respondeu que não concordava com essa afirmação, pois
sendo ele tão bom filho, não podia deixar de vir a ser bom esposo. Os parentes,
conhecendo já as intransigências de Dª Lucilia, preferiram bater em retirada e
não abordar mais o assunto.
Polêmicas de Dr. Plinio em favor da causa
católica
Já em 1931, Dr. Plinio —— então com 22 anos —— escrevia artigos de São
Paulo, crescendo dia a dia seu prestígio como defensor dos direitos da Igreja.
Isto era motivo de grande júbilo para Dª Lucilia, que seguia, com discreta
atenção, as primeiras escaramuças ideológicas de seu filho.
Exemplo do espírito polêmico de
Dr. Plinio em defesa do Catolicismo, encontramos numa missiva por ele enviada a
Dª Lucilia em 7 de julho de 1931, durante uma de suas estadias no Rio de
Janeiro. Estas se deviam às suas intensas atividades como líder católico. Faz
ele referência nessa carta, em tom de afetuosa ironia, às “futricações” e
“chuchadas” que corriam como desejava. Porém, procura sossegar sua mãe,
assegurando-lhe que seria tudo pacífico:
Minha Queridíssima Mãezinha
É com uma imensidão de saudades, que lhe escrevo. Espero que a Senhora
esteja passando bem, a despeito da falta das prosinhas de meia-noite. (...)
Ainda não tive tempo para fazer uma pequena parte, sequer, do que
pretendo. No entanto, estou contente, porque as “futricações” e as “chuchadas”
estão indo como eu desejava. Estou preparando um “charivari” lingüístico e
jornalístico de primeira ordem para a Igreja. Mas será uma coisa muito pacífica
e, se Deus quiser, proveitosa.
Tenho comungado diariamente, e rezado pela Sra.
Estou achando deliciosa esta temporada. Até como repouso está sendo
maravilhosíssima.
Envie a Rosée e Papai muitos abraços e beijos, e ao Antônio muitos
abraços, bem como a vovó e aos demais. Abençoe e receba os mais numerosos e
carinhosíssimos beijos de seu filho muito saudoso,
Plinio
Por esta outra carta, datada do
dia seguinte, Dona Lucilia podia notar quanto o contato de seu filho com
importantes personalidades estava sendo proveitoso aos interesses dele e
sobretudo quanto seria útil às futuras pugnas que ele travaria.
Minha
Mãezinha Queridíssima
Estou
gostando immensamente do Rio! Estou como um peixe na agua: politicando um pouco,
e vivendo num ambiente altamente intelectual. (...) Irei à Nunciatura Apostólica.
Depois do almoço (...) irei visitar o Pe. Leonel Franca.18
Conto
com o auxílio deste (que é um dos ‘cotadíssimos” no Ministério da Instrucção),
para retirar meu diploma, que me tem custado muito tempo. (...)
O
dinheiro que trouxe tem dado e sobrado muito bem. Hontem comi uma mayonnaise de
salmon magnifica!
Vou
hoje à tarde visitar o Ministro Chico Campos,’’ com o Tristão. Depois, será a
vez do Pandiá Calogeras, do Bevilaqua e do Fontes de Miranda.20 O Arlindo Luz,
com quem Tio Gabriel me pedio que fallasse, está em São Paulo. Si elle voltar
ao Rio antes de minha partida, irei ter com elle.
Diga
a Antonio que sobre o negocio delle tambem estou providenciando.
Acceite,
meu bem, uma multidão de affectuosissimos abraços e beijos, e abençoe seu
queridissimo filhão
Plinio
Abraços
e beijos a Rosée, Papae, Vovó, Maria Alice e Antonio.
Nada de muita futricação “à enérgica”
Embora Dona Lucilia concordasse
inteiramente com a posição de seu filho, procurava edulcorar um pouco a
linguagem categórica dele, sem lhe diminuir em nada a intransigência para com o
mal. Atitude compreensível numa senhora cujo modo de ser era temperado por uma
suavidade indizível.
Filho querido!
Tive o prazer de receber ontem tua carta, que agora respondo.
Li hoje na “Razão”, uma entrevista do Cardeal impressa em volta de um
grande retrato seu. Será teu esse artigo? Está muito bom! O que mais tens feito
por aí? Nada de muita “futricação” à enérgica.
Divirtam-se o melhor que puderem, e veja que Rosée se alimente bem e
tome os remédios.
Acho uma falta enorme em vocês, e tenho muitas saudades de ti,
sobretudo antes de adormecer, mas dou graças a Deus, de que tenham podido ir!
Envio muitos abraços a Rosée, Dóra, Antonio, e a você, muitos beijos e abraços
e mais muitas bênçãos da Mamãe que tanto, tanto te quer,
Lucilia
A última carta de Dr. Plinio
nessa estadia, escrita em 10 de julho, testemunha os extremos de afeto com que
procura minorar as saudades de sua mãe.
Minha
Queridissima Mãezinha
Deploro
a noticia que me deu Rosée, de que só hontem a Senhora recebeu uma carta minha.
Effectivamente, eu ¡lie escrevi no dia immediate ao de minha chegada. E nem foi
esta a unica carta que lhe escrevi, pois que o total sobe a duas ou tres.
Foi
para mim unta surpresa, o encontrarRosée, Dora e Antonio aqui. Será para mim um
transtorno sensivel o modificar a data de minha partida. Mas a Senhora o
quer..... logo eu o faço com muito gosto, no celebre estylo do: “JÁ VOU
QUERIDA” que eu lhe dirijo quando a Senhora me acorda.
Este
pessoal do Rio tem sido para commigo de uma gentileza pasmosa. (...)
Só
sinto é não ter aqui a sua companhia.
Abençoe,
e receba milhares de beijos e abraços de seu filho, que a quer e respeita
immensamente
Plinio
N.B. Affectuosos abraços a
Papae, Vovó e minha afilhada.
Faço questão * de que o dinheiro que a Senhora
me mandou seja do meu e não do seu.
*Dr Plinio sublinha duas vezes a
frase “Faço questão”
Jesuíta gaúcho. Pensador e polemista, defendeu a doutrina católica em “Noções de História da Filosofia” (1918), “A Igreja, a Reforma e a Civilização” (1923), “A crise do mundo” (1941).
Francisco Luís da Silva Campos, jurista e político mineiro, várias vezes ministro de Estado.
João Pandiá Calógeras, estadista fluminense, ex-ministro de Estado; Clóvis Bevilaqua, cearense, um dos maiores juristas do Brasil; Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, jurista, diplomata e escritor alagoano.
(Transcrito, com adaptações, da
obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)
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