Conclusão dos posts anteriores
Um antigo relógio trazido de Pirassununga
Um outro fenômeno
minúsculo, que ficou sem explicação, foi o seguinte: ela possuía um velho
relógio de cozinha; não era objeto fino, e está guardado em casa. Esse relógio
tinha pertencido aos pais dela, quando moravam em Pirassununga; depois, ao se
mudarem para São Paulo, trouxeram o relógio, que funcionava na copa, em casa de
minha avó, até 1934, ano em que passamos a residir em outra casa. E mamãe
gostava do relógio porque era uma recordação de sua infância.
Quando nos mudamos para
o apartamento da Vieira de Carvalho 3, ela transportou o relógio e mandou
colocá-lo na cozinha, na única parede disponível, acima do fogão a gás.
Suspeito que o calor do fogão deteriorou seu mecanismo, porque o relógio,
sempre muito pontual, começou a desacertar.
Ela, tão alheia a certas
coisas práticas, quis que o relógio fosse consertado e eu mandei levá-lo ao
relojoeiro; este afirmou não saber o que tinha acontecido, mas o relógio não
tinha mais conserto, porque já não existiam no comércio as peças próprias. Eu
disse isso a mamãe, ela lamentou, porém não quis jogar fora o relógio;
embrulhou-o e guardou-o num armário.
Estava lá o relógio há
tempos, quando certo dia meu pai entrou na cozinha para dar uma recomendação
qualquer para a cozinheira, e o relógio se pôs a funcionar, e chegou a marcar
meio-dia, mesmo estando empacotado!
Meu pai tinha medo de
ladrões e de fantasmas. Em relação a ladrões, ela era meio displicente; fechava
a casa, mas sem as preocupações exímias de meu pai. Porém quanto a fantasmas,
ela também tinha receio; não se apavorava como meu pai, mas tomava muito a
sério. Contaram-lhe a questão do relógio, e ela ficou muito intrigada com o
assunto. Eles mandaram a empregada pegar o relógio, para ver o que havia
acontecido. O relógio estava tal e qual, não se explicava que tivesse indicado
horas.
Quando cheguei à
residência, eles me contaram o caso, querendo, sobretudo ela, sondar minha
opinião, perguntando-me se eu julgava ser um prognóstico. Eu lhe disse: “Meu
bem, a senhora anote a hora em que o fato se deu. Se acontecer alguma coisa,
podia ser presságio. Se não acontecer, não foi nada.”
Um cego de belo porte e que conversava muito bem
Um outro episódio. Minha
mãe tinha um primo que, quando criança de berço, sofrera uma conjuntivite, e um
oculista, ao tratar dele, pingou nitrato de prata nos seus olhos, e o menino
teve seus olhos queimados, ficando cego para a vida inteira.
Embora fosse um parente
longínquo, era sempre muito bem recebido e bem tratado em casa. Ele nos
visitava com certa frequência e tinha boa prosa. Aliás, era um homem de muita
compostura. Não sei como aprendeu a manter o porte sendo cego, e não podendo,
portanto, ver nos outros como conservar uma boa postura. Mas ele tinha um
bonito porte e conversava muito bem.
Como não tinha
ocupações, esse primo cego fazia visitas quilométricas: ficava nas residências
dos parentes tanto quanto podia. E ela e meu pai eram muito pacientes e
atenciosos para com o pobre homem. Mas quando se fazia necessário, mamãe se
retirava para tratar de algum assunto da casa ou pôr orações em dia.
Ao retornar, ela
encontrava, por vezes, essa cena engraçada: meu pai, que já estava bem idoso,
dormindo. Mas ele não avisava o visitante, e se deixava afundar no sono. E o
pobre cego não percebia que seu interlocutor estava dormindo, apenas notava que
ele deixara de responder. E minha mãe entrava, então, pé ante pé, para o primo
não notar, cutucava meu pai e fazia-lhe um sinal. Às vezes o cego percebia,
porque meu pai acordava e dizia: “O que é, senhora?!”
E como sói acontecer com
os cegos, o visitante tinha ouvido muito aguçado, e se dava conta do ocorrido.
Mas, sendo muito discreto, não se pronunciava. Quando meu pai não dizia nada ao
acordar, então o pobre cego nem percebia, e ambos retomavam a conversa com ele.
Quando eu chegava, à noite, ela me contava o fato, achando graça. Esses eram
alguns dos pequenos episódios da vida doméstica...
Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 6/7/1982
1) No bairro
Higienópolis, região central de São Paulo. 2) Cidade a noroeste do Estado de
São Paulo. 3) Avenida no Centro da cidade de São Paulo.
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