As separações iam se tornando
mais frequentes, à medida que aumentavam os compromissos apostólicos de seu
filho Dr. Plinio, o qual ia se destacando como jovem e ardoroso líder mariano
em todo o País. Essa projeção acontecia numa importante conjuntura histórica,
nacional e internacional.
Com efeito, às profundas
transformações nas mentalidades e nos costumes que abalavam o mundo nas
primeiras décadas do século XX, seguiram-se revoluções políticas. Contudo, em
nosso imenso e pacato Brasil a vontade de não lutar sobrepujou quase sempre a
vontade de vencer. Na maioria dos casos, hábeis manobras evitaram confrontos
cujas consequências poderiam ter sido trágicas.
Até 1930 o Brasil viveu sob um
regime conservador, de base rural e com traços aristocráticos, que afirmava sua
adesão doutrinária a uma democracia liberal. A história qualificou este regime
de República Velha.
A situação internacional, a
partir de 1918, exerceu efeitos desestabilizadores em nosso país. Três grandes
impérios — Áustria-Hungria, Alemanha e Rússia — vistos como bastiões do
conservadorismo, haviam desaparecido. Subia ao zênite o sistema político norte-americano,
sustentáculo do apogeu econômico daquela nação e da irradiação de seu way of
life.
No Brasil teve início uma onda
de protestos em vários setores, exigindo a coerência da prática política com a
inspiração doutrinária. No sulco da exacerbação de ânimos, a revolução de 1930
ia derrubar a República Velha.
Era natural que Dª Lucilia
visse com desassossego as sublevações que marcavam o fim de um Brasil e o
início de outro.
“Se fosse
uma cruzada...”
Dr. Gabriel, seu irmão, que
havia pouco fora Secretário da Agricultura, chegou à casa de Dª Gabriela
explicavelmente alarmado por graves notícias, vindas de vários pontos do País.
À hora do almoço, ocorreu um revelador diálogo entre ele e Dª Lucilia.
Conhecendo-a bem, disse-lhe em tom de afetuosa provocação que Plinio devia ir
se preparando para a mobilização militar, pois o governo estava para convocar
todos os moços.
Se de um lado Dª Lucilia estava
disposta a sacrificar seu filho pela Igreja, de outro jamais concordaria em que
o enviassem para uma guerra civil na qual estavam envolvidos meramente, pelo
menos na aparência, interesses políticopartidários. Por isso, sem perder a
afabilidade, replicou a seu irmão com aquela firmeza toda sua:
— O Plinio não vai!
Para ver até que ponto chegava
o ardor religioso da irmã, Dr. Gabriel comentou em tom de crítica:
— Para isso você não o deixa
ir, mas se se tratasse de uma guerra de religião, de uma Cruzada, você o
mandaria para a primeira fileira...
Ao que ela retrucou com
vivacidade:
— É verdade! Se fosse para uma
Cruzada, eu seria a primeira a mandar o Plinio para a batalha. E ele seria o
primeiro a enfrentar os inimigos.
“Daqueles
a quem Deus dá Fé, Ele próprio exige Esperança”
O levante armado de 1930
apanhou o jovem Plinio numa fazenda em Campos do Jordão, onde estava com primos
seus a passar alguns dias. Evidentemente, a preocupação de Dª Lucilia pela
integridade de seu filho foi enorme, sobretudo porque tornavam-se insistentes
os rumores sobre uma mobilização geral dos moços em idade militar para combater
as tropas revoltosas.
Plinio, logo que pôde,
enviou-lhe uma carta, transbordante de amor filial, em que descrevia a
esplêndida fazenda, onde estava recebendo excelente acolhida. Sua mãe não
precisava se preocupar com o bem-estar nem com a saúde dele.
“Minha queridíssima Mãezinha
Não fossem as imensas saudades que sinto de todos e
particularissimamente da Senhora, e também o receio de que seu pessimismo
esteja arruinando sua saúde, e eu me sentiria perfeitamente bem nesta belíssima
e confortável fazenda.
Os panoramas são lindos. Tem-se a impressão perfeita de estar vendo uma
vista tiroleza. Aquela amenidade européia da natureza é aqui encontrada em
todas as paisagens. Nunca pensei que isto aqui fosse tão estupendo. A casa é
uma habitação em estilo brasileiro antigo e conta mais de 100 anos. Tem umas
fechaduras enormes, com chaves colossais, o que é muito interessante. Está a
habitação perfeitamente “amenagée” [bem-arranjada], com luz elétrica, água
corrente e encanada e todo o conforto possível. Tomamos até banhos quentes!!!
Não lhe escrevi há mais tempo, porque as comunicações com a vila são
muito difíceis. Dista a Vila de Capivari uma hora daqui. O mato aqui é muito
denso e temos feito de manhã alguns passeios. Por isto, só lhe escreverei uma
ou duas vezes por semana.
André tem sido para conosco de uma amabilidade perfeita. Tem nos
tratado com uma solicitude extrema e com a maior gentileza. A mesa é excelente,
e temos comido com um apetite extraordinário. Já entrei em um leitão e em um
cabrito. Ando mais corado do que nunca!! O clima tem sido excelente, e muito
temperado. Para maior tranquilidade sua, tenho a declarar que tenho sido de uma
prudência absoluta, no resguardo de minha saúde. Tenho tomado toda a cautela no
observar o intervalo entre os banhos e as refeições (diga-o a Rosée), e também
me tenho resguardado de ventos encanados, etc, etc, inclusive de balançar em
cadeiras que não são de balanço. (...)
Este repouso, para minha cabeça, será ótimo. Não tenho ainda começado a
ler, para aproveitar a oportunidade de descansar bem.”
Após dizer que havia comungado
por Dª Lucilia em Pindamonhangaba e pedir notícias da família, Plinio lhe dá um
filial conselho naquele tão convulsionado período.
“Vamos, agora, à Senhora. Espero que tenha a suficiente dose de
espírito religioso requerida pelas circunstâncias. A Esperança é uma virtude
que decorre da Fé.
Daqueles a quem Deus dá Fé, Ele próprio exige Esperança. Espere,
portanto, em Deus, porque nenhum fio de cabelo cai de nossa cabeça sem que Ele
consinta. E, sendo assim, que temos nós a recear, quando somos protegidos por
um Deus de Poder e Misericórdia infinitos? A Senhora, que gosta tanto de se
orientar pelos princípios de Vovô Ribeiro, deve lembrar-se da grande confiança
que ele tinha em Deus, a ponto de dar seus últimos 2$000 a um pobre, certo de
que nada lhe faltaria, enquanto não lhe faltava a graça de Deus! E a Senhora,
que, ao contrário dele, frequenta os Sacramentos, deve ter em Deus uma
confiança ainda muito maior.
Comungue assiduamente, mas sem sacrifício para sua saúde, e reze muito
a Nossa Senhora. O resto se arranjará.
Mande afetuosíssimos abraços e beijos a Papai, Rosée, Vovó e Maria
Alice. A Antônio, um apertadíssimo e fraternal abraço. À tia Yayá, Tio Adolpho,
Dora, e Adolphinho, muitos abraços e saudades. A todos os demais da família, o
mesmo.
Para a Senhora, finalmente, todo o meu coração, todo o meu afeto, todo
o meu carinho e todo o meu respeito. Abençoe o filho que tanto a quer.”
Pouco depois, Plinio escrevia
novamente a sua mãe, renovando com o respeito de filho as recomendações da
anterior missiva:
“Minha querida Mãezinha
Escrevo-lhe esta, para lhe enviar um afetuosíssimo beijo, e lhe pedir
que se lembre de que é católica, e de que a proteção de Deus nunca lhe faltará.
Comunguei hoje aqui, e rezei muito pela Senhora e por todos os nossos. Jesus me
atenderá.
Muito cuidado com o fígado. Envie a Papai e a Rosée afetuosíssimos
beijos. Outro tanto para Vovó, Maria Alice. Para a Senhora, meu bem, todo o meu
coração. Até breve. Abençoe o seu
Filho”
Quem lê, noutra carta da mesma
época — desta vez escrita por Dª Lucilia a Plinio — a referência às incontáveis
orações feitas na intenção dele, para que Deus o preservasse dos perigos, bem
pode notar a aflição em que ela se encontrava.
“São Paulo, 13-10-930
Filho querido!
Espero em Deus, que estejas com saúde, e por Ele, te peço, que com o
máximo cuidado e prudência, evites toda e qualquer moléstia ou acidente.
O meu fígado vai melhor do que supunha, e, quanto à minha saúde, não te
preocupes, pois vou passando regularmente. Tua avó está em franca
convalescença, felizmente. Maria Alice ainda tosse um pouco, mas já está
boazinha, e reza todos os dias por tua intenção. Eu o faço o dia todo.... são
terços, coroas, ladainhas, novenas, etc.... já mandei pedir orações às freiras
da Luz, que me mandaram umas quatro ou seis pedrinhas do túmulo de Frei Galvão,
que desejaria poder mandar-te para [que] as tragas sempre junto a ti, para te
curar ou preservar de moléstias e perigos. Vou mandar pedir orações também às
freiras das Perdizes, e mando acender todos os dias uma vela a Santo Expedito.
Fiz promessas ao Sagrado Coração de Jesus, a Nossa Senhora Auxiliadora, Santa
Teresinha do Menino Jesus, e a São Luís, teu protetor. Deus permita que a paz
volte logo! Nós ficaremos na Capital, pois creio que nada haverá por aqui. Teu
pai, irmãos, e o pessoal de teu tio, mandam abraços.
“Doida”
de saudades, te abraço, te beijo muito, e muito, e te cubro de bênçãos.
De tua mãe muito extremosa,
Lú”
“Não
cesso de pedir por ti!”
Talvez por dificuldade de
comunicação naqueles convulsionados dias, Dª Lucilia não pôde enviar a seu
filho a carta acima. Nesse meio tempo, tendo recebido por um portador a
primeira missiva que Plinio lhe escrevera da fazenda, ela, com o coração
apertado de saudades, acrescentou às linhas anteriores, em 16 de outubro, estas
palavras cheias de unção:
“Não me tendo sido possível enviar-te esta no dia em que te escrevi, a
seguir escrevo-te de novo. Com grande prazer e comoção, li tua carta, que
conservo sempre á mão, para a reler todas as vezes que apertam as saudades, que
são imensas!
Meu filho, peço-te mais uma vez, que te esforces por andar bastante,
pois nesta época, receio que te vejas obrigado a grandes caminhadas, sem
training algum, o que te será duplamente penoso. Não cesso de pedir por ti, e
só me sinto tranquila, quando o faço, e muito! (...)”
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