Continuação do post anterior
No oratório, uma carta
Ao entrar Plinio para a Faculdade de Direito, uma das
apreensões que mais pesavam no espírito daquela mãe extremosa dizia respeito à
fidelidade dele à Igreja Católica. Muitos rapazes, dos meios sociais que ela
conhecia, não tiveram coragem de enfrentar a pressão dos colegas e do ambiente,
acabando por abandonar não só a prática da religião como até mesmo a Fé.
Com o passar dos meses, porém, constatou ela com grande
alegria que seu filho permanecia firme em sua adesão aos bons princípios.
Restava-lhe uma preocupação: como enfrentaria Plinio a árdua
luta da vida? Talento e maturidade não lhe faltavam, mas daí a saber se
alcançaria êxito em suas realizações, seguindo a esteira de seus ilustres
antepassados, era outra questão. Procurava aconselhá-lo e guiá-lo, sem no
entanto intrometer-se em sua vida particular.
Pouco depois de entrar para a Faculdade, Plinio, através de
seu tio, Dr. Gabriel, então Secretário da Agricultura de São Paulo, conseguiu
um emprego no Patronato Agrícola. Dª Lucilia considerava serem esses os
primeiros passos de seu filho rumo a um brilhante porvir. E com fervor passou a
pedir ao Sagrado Coração de Jesus que o protegesse e lhe proporcionasse êxito no
emprego.
Patronato Agrícola |
Testemunho de que suas preces estavam sendo atendidas foi
uma carta enviada a Dr. Gabriel pelo distinto homem de letras, Dr. Eugênio
Egas, diretor do Departamento Agrícola, onde Plinio trabalhava, pedindo que o
jovem não fosse transferido para outro setor, pois lhe faria muita falta. A
carta era tão elogiosa que Dr. Gabriel a entregou a Dª Lucilia, certo de lhe
causar contentamento, e ela, em sinal de gratidão, guardou-a em seu oratório
junto à imagem do Sagrado Coração, onde a conservou por longos anos.
Eis o texto:
Patronato Agrícola,
20-VI-27
Dr Gabriel |
Prezado Dr. Gabriel,
chegou ao meu conhecimento que o seu sobrinho Plinio vai para as Estradas de Rodagem.
Para o Patronato é um desastre. O rapaz é ótimo, pontual, correto, e falando
línguas presta-nos grande serviço, quando somos procurados por alemães,
austríacos e semelhantes.
Não o remova, peço-lhe
encarecidamente. A questão de ordenado, desde que o amigo remova o sr. Renato
(que de pouco serve, por ser estudante de medicina, e não ter horário
aproveitável) não tem importância, porquanto o orçamento em vigor tem verba
para o pagamento dele, na base de 525 mil réis. Seja como for, eu preciso
dizer-lhe que o Plinio representa as belas qualidades de duas famílias de
Tradição: Corrêa de Oliveira e Ribeiro dos Santos.
Patronato Agrícola |
O meu expediente vai
sofrer com a saída de tão fino, correto, educado e zeloso funcionário. De
resto, ele é estudante de direito, pelo que o meio do Patronato lhe é propício.
Que vai fazer ele com engenheiros?
Esperando que o amigo
não nos prive do trabalho desse distinto moço, subscrevo- me como sabe,
Seu velho amigo
Eugenio Egas
“Devo aproveitar o tempo que me resta a te guiar e
aconselhar”
Embora a carta do Dr. Eugênio Egas atestasse as qualidades e
a integridade de Plinio, nem por isso Dª Lucilia afrouxaria em seu dever de
aprimorar com uns últimos retoques a educação deste. Por outro lado, sofrendo
contínuos achaques, tinha ela a sensação de que não viveria muito e desejava
apresentar-se ante o divino Tribunal tendo cumprido de modo exímio suas obrigações
maternas. É o que se pode ver nesta carta, tão característica do afetuoso
relacionamento entre ela e ambos os filhos, mesmo quando se via obrigada a
adverti-los. Como de costume, sabia transformar as repreensões em suaves
carícias.
Prata - 23-5-928
Plinio querido
Recebi ontem tua carta
em que me dizes ter-te o “X” faltado ao respeito pelo telefone.... Não me dizes
como foi a história, mas, lembra-te bem, que já eu te preveni que devias voltar
ao seu escritório ou casa, para tratares pessoalmente teu negócio, e o fizeste
pelo telefone, o que não foi nada, nada correto. Esqueces de que és uma criança
perto dele, que além de muito mais velho, é um senhor bem colocado, e até
adulado na alta sociedade, e além disso, nenhum de nós, e você ainda menos, tem
intimidade com ele para falar-lhe pelo telefone sobre negócios, ou dar-lhe
satisfações pela longa demora em dar-lhe a resposta atrasada, o que já foi
outra falta de delicadeza, de tato, meu filho. Ignoro o que entre ambos se
passou, mas com isto, deste uma amostra de falta de distinção, de finura, na
tua educação, e nobreza nos teus gestos ou atos, ou mesmo deferência da
mocidade para com os mais velhos, e os que já na vida galgaram uma certa
posição, pelo seu mérito pessoal, ou boa chance. Sei que estou desagradável
hoje, meu querido, mas lá vai outra observação..... é o meu dever...! Filho,
por um mês vais substituir o secretário do Instituto: não te esqueças de que
este tempo é rápido, e que se tomares uns certos ares de superior e fores
impertinente, medindo as pequeninas coisas que fizerem os outros, te tornarás
antipatizado e hostilizado por todos, e quando voltares para o teu lugar, dirão
que estás com cara de “bezerro desmamado”, como diz o público dos presidentes
da república quando deixam o poder. Sobretudo, querido, é preciso que exerças
este cargo com tanta pontualidade e acerto, e sem distrações que, quando o
secretário voltar, não possa fazer-te desagradáveis observações para vingar-se
de tuas correções de português. Peço-te também que trates a todos como gostas
de ser tratado, aí e em toda parte, e nada, nada de “mandos”!, sim?
Tive ontem uma nova
tontura, porém não tão forte como a última, o que obrigou-me a guardar o leito
toda a tarde, mas hoje levantei-me. Como sabes, estes achaques são avisos de
que devo aproveitar o tempo que me resta antes da viagem, a te guiar e
aconselhar, querido da minha alma, e espero que não vás zangar-te e amarrotar
minha pobre carta, nem fazer olhos duros, quando os tens tão lindos, quando
estás bonzinho!
Estou com tantas
saudades de vocês que nem imaginam. O que será de mim quando Rosée for para
longe, e se eu viver um pouco, você também fizer seu ninho?
Estou cansada. Termino
recomendando-me a todos, e beijando-te, abraçando-te e abençoando-te muito.
De tua mãe muito
extremosa,
Lucilia
Beijos a Rosée e Maria
Alice1, e um abraço ao Antônio.
Se saíssem estas linhas da pena de uma pessoa comum,
poder-se-ia elogiar seu profundo bom senso, qualidade rara em nossos
tumultuados dias. Mas, sabendo-se terem elas brotado do amor maternal de Dª
Lucilia, os conselhos que transmitem mais parecem fruto de uma sábia e virtuosa
prudência, haurida no Divino Coração de Nosso Senhor.
Tal é o caso das recomendações de suavidade e diplomacia no
trato com superiores e inferiores, as quais denotam profundo senso de
hierarquia. De outro lado, torna-se patente uma vez mais que sua imensa bondade
não a impedia de ver, até o fundo, a maldade da natureza humana, procurando
precaver Plinio contra as ciladas que a inveja e o amor-próprio ferido podem
armar.
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João
S. Clá Dias)
1) Filha de Rosée e Antônio de Castro Magalhães
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