quinta-feira, 7 de março de 2013

Transpondo o umbral dos 50 anos


Continuação do post anterior

No oratório, uma carta

Ao entrar Plinio para a Faculdade de Direito, uma das apreensões que mais pesavam no espírito daquela mãe extremosa dizia respeito à fidelidade dele à Igreja Católica. Muitos rapazes, dos meios sociais que ela conhecia, não tiveram coragem de enfrentar a pressão dos colegas e do ambiente, acabando por abandonar não só a prática da religião como até mesmo a Fé.

Com o passar dos meses, porém, constatou ela com grande alegria que seu filho permanecia firme em sua adesão aos bons princípios.

Restava-lhe uma preocupação: como enfrentaria Plinio a árdua luta da vida? Talento e maturidade não lhe faltavam, mas daí a saber se alcançaria êxito em suas realizações, seguindo a esteira de seus ilustres antepassados, era outra questão. Procurava aconselhá-lo e guiá-lo, sem no entanto intrometer-se em sua vida particular.

Pouco depois de entrar para a Faculdade, Plinio, através de seu tio, Dr. Gabriel, então Secretário da Agricultura de São Paulo, conseguiu um emprego no Patronato Agrícola. Dª Lucilia considerava serem esses os primeiros passos de seu filho rumo a um brilhante porvir. E com fervor passou a pedir ao Sagrado Coração de Jesus que o protegesse e lhe proporcionasse êxito no emprego.

Patronato Agrícola
Testemunho de que suas preces estavam sendo atendidas foi uma carta enviada a Dr. Gabriel pelo distinto homem de letras, Dr. Eugênio Egas, diretor do Departamento Agrícola, onde Plinio trabalhava, pedindo que o jovem não fosse transferido para outro setor, pois lhe faria muita falta. A carta era tão elogiosa que Dr. Gabriel a entregou a Dª Lucilia, certo de lhe causar contentamento, e ela, em sinal de gratidão, guardou-a em seu oratório junto à imagem do Sagrado Coração, onde a conservou por longos anos.

Eis o texto:

Patronato Agrícola, 20-VI-27

Dr Gabriel
Prezado Dr. Gabriel, chegou ao meu conhecimento que o seu sobrinho Plinio vai para as Estradas de Rodagem. Para o Patronato é um desastre. O rapaz é ótimo, pontual, correto, e falando línguas presta-nos grande serviço, quando somos procurados por alemães, austríacos e semelhantes.

Não o remova, peço-lhe encarecidamente. A questão de ordenado, desde que o amigo remova o sr. Renato (que de pouco serve, por ser estudante de medicina, e não ter horário aproveitável) não tem importância, porquanto o orçamento em vigor tem verba para o pagamento dele, na base de 525 mil réis. Seja como for, eu preciso dizer-lhe que o Plinio representa as belas qualidades de duas famílias de Tradição: Corrêa de Oliveira e Ribeiro dos Santos.

Patronato Agrícola
O meu expediente vai sofrer com a saída de tão fino, correto, educado e zeloso funcionário. De resto, ele é estudante de direito, pelo que o meio do Patronato lhe é propício. Que vai fazer ele com engenheiros?

Esperando que o amigo não nos prive do trabalho desse distinto moço, subscrevo- me como sabe,
Seu velho amigo
Eugenio Egas

“Devo aproveitar o tempo que me resta a te guiar e aconselhar”

Embora a carta do Dr. Eugênio Egas atestasse as qualidades e a integridade de Plinio, nem por isso Dª Lucilia afrouxaria em seu dever de aprimorar com uns últimos retoques a educação deste. Por outro lado, sofrendo contínuos achaques, tinha ela a sensação de que não viveria muito e desejava apresentar-se ante o divino Tribunal tendo cumprido de modo exímio suas obrigações maternas. É o que se pode ver nesta carta, tão característica do afetuoso relacionamento entre ela e ambos os filhos, mesmo quando se via obrigada a adverti-los. Como de costume, sabia transformar as repreensões em suaves carícias.

Prata - 23-5-928

Plinio querido

Recebi ontem tua carta em que me dizes ter-te o “X” faltado ao respeito pelo telefone.... Não me dizes como foi a história, mas, lembra-te bem, que já eu te preveni que devias voltar ao seu escritório ou casa, para tratares pessoalmente teu negócio, e o fizeste pelo telefone, o que não foi nada, nada correto. Esqueces de que és uma criança perto dele, que além de muito mais velho, é um senhor bem colocado, e até adulado na alta sociedade, e além disso, nenhum de nós, e você ainda menos, tem intimidade com ele para falar-lhe pelo telefone sobre negócios, ou dar-lhe satisfações pela longa demora em dar-lhe a resposta atrasada, o que já foi outra falta de delicadeza, de tato, meu filho. Ignoro o que entre ambos se passou, mas com isto, deste uma amostra de falta de distinção, de finura, na tua educação, e nobreza nos teus gestos ou atos, ou mesmo deferência da mocidade para com os mais velhos, e os que já na vida galgaram uma certa posição, pelo seu mérito pessoal, ou boa chance. Sei que estou desagradável hoje, meu querido, mas lá vai outra observação..... é o meu dever...! Filho, por um mês vais substituir o secretário do Instituto: não te esqueças de que este tempo é rápido, e que se tomares uns certos ares de superior e fores impertinente, medindo as pequeninas coisas que fizerem os outros, te tornarás antipatizado e hostilizado por todos, e quando voltares para o teu lugar, dirão que estás com cara de “bezerro desmamado”, como diz o público dos presidentes da república quando deixam o poder. Sobretudo, querido, é preciso que exerças este cargo com tanta pontualidade e acerto, e sem distrações que, quando o secretário voltar, não possa fazer-te desagradáveis observações para vingar-se de tuas correções de português. Peço-te também que trates a todos como gostas de ser tratado, aí e em toda parte, e nada, nada de “mandos”!, sim?

Tive ontem uma nova tontura, porém não tão forte como a última, o que obrigou-me a guardar o leito toda a tarde, mas hoje levantei-me. Como sabes, estes achaques são avisos de que devo aproveitar o tempo que me resta antes da viagem, a te guiar e aconselhar, querido da minha alma, e espero que não vás zangar-te e amarrotar minha pobre carta, nem fazer olhos duros, quando os tens tão lindos, quando estás bonzinho!

Estou com tantas saudades de vocês que nem imaginam. O que será de mim quando Rosée for para longe, e se eu viver um pouco, você também fizer seu ninho?

Estou cansada. Termino recomendando-me a todos, e beijando-te, abraçando-te e abençoando-te muito.

De tua mãe muito extremosa,
Lucilia

Beijos a Rosée e Maria Alice1, e um abraço ao Antônio.


Se saíssem estas linhas da pena de uma pessoa comum, poder-se-ia elogiar seu profundo bom senso, qualidade rara em nossos tumultuados dias. Mas, sabendo-se terem elas brotado do amor maternal de Dª Lucilia, os conselhos que transmitem mais parecem fruto de uma sábia e virtuosa prudência, haurida no Divino Coração de Nosso Senhor.

Tal é o caso das recomendações de suavidade e diplomacia no trato com superiores e inferiores, as quais denotam profundo senso de hierarquia. De outro lado, torna-se patente uma vez mais que sua imensa bondade não a impedia de ver, até o fundo, a maldade da natureza humana, procurando precaver Plinio contra as ciladas que a inveja e o amor-próprio ferido podem armar.

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)

1) Filha de Rosée e Antônio de Castro Magalhães

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