segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Incólume tabernáculo interior - IV


Dentro da vida comum de uma dona de casa, o semblante, o porte e as atitudes de Dona Lucilia manifestavam a calma e a glória de quem vencera as batalhas da existência deixando intacto o tabernáculo interior, e conseguira provar que é possível, mesmo em nossos dias, o verdadeiro afeto.
Certa ocasião — tinha eu 21 anos de idade e sentia-me muito cansado — um amigo ofereceu-me de irmos à fazenda dele, em Botucatu, para descansarmos um pouco. Chegando lá, resolvemos, como todos os rapazes fazem, andar a cavalo.
O jovem Plinio cai do cavalo
Mas o caipira que preparou os animais apertou mal a barrigueira do meu cavalo. Eu não percebi, montei e, antes mesmo de sairmos, fiz um movimento meio brusco, virei e tomei uma queda muito forte; bati com a espinha numa pedra e passei dois ou três meses andando de bengala.
Não dei maior importância à coisa. Voltei a São Paulo e mamãe também não se preocupou com o fato. Certa noite, meu amigo veio à minha casa e disse a Dona Lucilia: “Olha, estive com meu tio — era um dos melhores clínicos de São Paulo naquele tempo — e ele mandou dizer à senhora que vale a pena mandar tirar uma radiografia da espinha do Plinio, porque às vezes não há sinal de perda de imobilidade das pernas; mas, quando ele tiver 40, 50 anos, se manifesta uma lesão que pode ser muito ruim. Era melhor tirar uma radiografia.”
Ela ficou muito alarmada.
Resolvemos no dia seguinte ir a um hospital, no qual havia um parque enorme, chamado Instituto Paulista. Mamãe quis ir junto. Fomos ela, meu amigo e eu; andamos por todo aquele jardim, etc., e eu me apoiando na bengala. Depois eu quis ir à capela desse instituto, onde tinha recebido uma graça e uma consolação colossal anos atrás, e fui rezar lá. Eu nem estava pensando no negócio da espinha...
Quando afinal voltei, encontrei mamãe sentada num local perto da sala das radiografias, rezando o rosário durante todo o tempo, e com os olhos úmidos de lágrimas. Eu disse: “Mas mãezinha, o que é isso?” Ela continuou a rezar e não respondeu. Continuei:
— Mas me explique um pouco...
— Eu estou muito apreensiva, afirmou ela.
— Mas por que a senhora está apreensiva?
— Conforme for o resultado, você verá.
Daí a algum tempo veio o médico, que era conhecido nosso, com a radiografia, e disse a ela:
— Não tem nada.
Ela perguntou:
— Mas Doutor, o senhor garante que não tem nada mesmo?
Ele a tranquilizou:
— Dona Lucilia, a senhora não vai entender, mas posso mostrar um pouco nesta radiografia que está tudo perfeito.
Notei que ela teve um desafogo.

Continua

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