Continuação do post anterior
Música de conselhos, gestos e afagos
![]() |
Plinio, Ilka e Rosée |
Por exemplo, na hora do
lanche que se tomava na própria sala de jantar; era raro servirem-no em bandeja
no local onde a pessoa estava. E eu era muito assíduo a todas as refeições, não
faltava a uma delas, e com um apetite fenomenal!
Em geral a sala de
jantar nessas casas antigas era o living. Além da mesa e das cadeiras,
comportava ternos de couro e outras coisas. E mamãe lá estava, com minha avó e
alguma outra pessoa da família. Os adultos não tomavam lanche ou se serviam
muito pouco dele. Ela, às vezes, tomava, mas muito pouco. Os mais moços sempre
tomavam lanche, sobretudo minha prima, que era um bom garfo, e eu. Minha irmã,
pouco.
Os meninos se sentavam
junto a uma das pontas da mesa. Às vezes vinham outros primos, e fazíamos uma
conversa, naturalmente muito mais barulhenta do que a dos mais velhos, que
continuavam a falar do outro lado, sem prestar atenção na nossa conversa. Ela
não. Sobretudo quando era mais moça e ouvia normalmente, percebia-se que mamãe
participava da conversa dos mais velhos, mas tinha um certo ouvido posto na nossa.
Se saía qualquer coisa que não estava bem, à noite, na hora de deitar, isso
dava em conselho. Mas um conselho muito afetuoso:
— Filhão, sua mãe ouviu
você dizer tal coisa assim hoje; mas veja bem essa questão tem tal lado, depois
tal outro...
— Mas, mamãe — não havia
discussões, mas de minha parte apenas exclamações pernambucanas — isso
absolutamente não é assim…
Ela permanecia quietinha
e me olhando com uma seriedade afetuosa. Quando eu terminava — não me interrompia
nunca —, ela me dizia: “Está bom, mas veja tal lado, tal outro…”; o ponto de
vista dela era firme.
Era uma tal música de
conselhos, gestos e afagos, que afinal terminávamos de acordo e eu saía da
conversa todo refeito. Ela ficava com os olhos mais abertos a respeito dessa ou
daquela pessoa, e eu acabava reconhecendo que não vinha fora de propósito
também notar tal qualidade que ela tinha observado, e colocá-la na balança.
Quer dizer, ambos retificávamos um pouco a “contabilidade”.
Ela não me dava razão
explícita, a não ser muito raramente. O sinal de que ela concordara com minha
apreciação severa das pessoas era o silêncio. Portanto, quando ela ia ficando
quieta, era um sinal do reconhecimento de que eu tinha razão. Então, mudávamos
de assunto. Mas se julgasse que eu não tinha razão, ela defendia o “réu” até o
último instante.
Mas, quando via que o
“réu” era indefensável, ela ficava mais quietinha, ia silenciando assim como
quem fosse apagando os holofotes interiores, os discretos holofotes interiores.
Ficava entendido isto: “Eu sou sua mãe, não posso estar dando razão a você em
tanta coisa, mas no fundo eu bem vejo que você está certo; queira-me bem e não
insista!”
Continua no próximo
post
Nenhum comentário:
Postar um comentário