sábado, 19 de março de 2016

Transbordamento de bondade II (cont)

Continuação do post anterior
Música de conselhos, gestos e afagos
Plinio, Ilka e Rosée
Por exemplo, na hora do lanche que se tomava na própria sala de jantar; era raro servirem-no em bandeja no local onde a pessoa estava. E eu era muito assíduo a todas as refeições, não faltava a uma delas, e com um apetite fenomenal!
Em geral a sala de jantar nessas casas antigas era o living. Além da mesa e das cadeiras, comportava ternos de couro e outras coisas. E mamãe lá estava, com minha avó e alguma outra pessoa da família. Os adultos não tomavam lanche ou se serviam muito pouco dele. Ela, às vezes, tomava, mas muito pouco. Os mais moços sempre tomavam lanche, sobretudo minha prima, que era um bom garfo, e eu. Minha irmã, pouco.

Os meninos se sentavam junto a uma das pontas da mesa. Às vezes vinham outros primos, e fazíamos uma conversa, naturalmente muito mais barulhenta do que a dos mais velhos, que continuavam a falar do outro lado, sem prestar atenção na nossa conversa. Ela não. Sobretudo quando era mais moça e ouvia normalmente, percebia-se que mamãe participava da conversa dos mais velhos, mas tinha um certo ouvido posto na nossa. Se saía qualquer coisa que não estava bem, à noite, na hora de deitar, isso dava em conselho. Mas um conselho muito afetuoso:
— Filhão, sua mãe ouviu você dizer tal coisa assim hoje; mas veja bem essa questão tem tal lado, depois tal outro...
— Mas, mamãe — não havia discussões, mas de minha parte apenas exclamações pernambucanas — isso absolutamente não é assim…
Ela permanecia quietinha e me olhando com uma seriedade afetuosa. Quando eu terminava — não me interrompia nunca —, ela me dizia: “Está bom, mas veja tal lado, tal outro…”; o ponto de vista dela era firme.
Era uma tal música de conselhos, gestos e afagos, que afinal terminávamos de acordo e eu saía da conversa todo refeito. Ela ficava com os olhos mais abertos a respeito dessa ou daquela pessoa, e eu acabava reconhecendo que não vinha fora de propósito também notar tal qualidade que ela tinha observado, e colocá-la na balança. Quer dizer, ambos retificávamos um pouco a “contabilidade”.
Ela não me dava razão explícita, a não ser muito raramente. O sinal de que ela concordara com minha apreciação severa das pessoas era o silêncio. Portanto, quando ela ia ficando quieta, era um sinal do reconhecimento de que eu tinha razão. Então, mudávamos de assunto. Mas se julgasse que eu não tinha razão, ela defendia o “réu” até o último instante.
Mas, quando via que o “réu” era indefensável, ela ficava mais quietinha, ia silenciando assim como quem fosse apagando os holofotes interiores, os discretos holofotes interiores. Ficava entendido isto: “Eu sou sua mãe, não posso estar dando razão a você em tanta coisa, mas no fundo eu bem vejo que você está certo; queira-me bem e não insista!”

Continua no próximo post

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