Continuação do post anterior
“Coitada da gata!”
Uma casa em que moramos
na Rua Itacolomy 1 fora construída com muita inteligência por uma pessoa pobre.
Os pormenores todos eram bem terminados, com material de categoria, trincos
finos, estuques, lustres, vitraux, tudo de muito boa qualidade. Era, portanto,
um ambiente onde nos sentíamos bem, embora fosse uma residência muito pequena.
A sala de jantar dava
para um espaço por onde poderia passar um automóvel até o fundo do quintal, mas
nós não tínhamos carro e Dona Lucilia havia transformado aquele local em
galinheiro. Meu pai mandava jacás de galinhas de São José do Rio Preto2, onde
ele tinha negócios, e as aves eram criadas ali.
Havia uma janela na sala
de jantar que dava para essa passagem — coisa perfeitamente comum —, e depois o
muro entre nossa casa e a do vizinho. Mas a proprietária que nos antecedeu
nessa residência, com bom gosto em tudo, tinha feito crescer uma hera abundante
ao longo do muro; na realidade eram dois muros, porque havia a parede de nosso
terreno e a do outro, e a certa altura nosso muro acabava e continuava o do
vizinho, com a vegetação cobrindo-o.
Não sei como uma gata,
que estava para ter filhotes, se aninhou naquele lugar. Todo dia, na hora do
almoço, aparecia e dormia ali, e dizíamos: “Olha a gata...” Mas não percebi que
estivesse para dar cria, e mamãe também não me disse. Eu notava que ela mandava
dar leite para a gata, mas fingia que não via... Não sei se era só leite, e
também biscoitos e outras coisas. A gata se refestelava ali. Como aquilo
entretinha mamãe, nós conversávamos um pouco sobre a gata.
Em certo momento,
percebi que a gata tinha tido uma série de crias, era uma algazarra de gatinhos
miando, molestando toda a vizinhança, e isso não podia continuar. Entretanto,
já prevendo a reação de mamãe, nos primeiros dias tive misericórdia com a
gata... Quando as crias ficaram um pouco maiorzinhas, eu disse para nossa
empregada, uma portuguesa chamada Ana, para pôr fora aquela gataria toda.
Porém, eu não quis fazer
isso escondido de mamãe, pois seria um tanto violento, e estava disposto a
entrar numa combinação: não jogar os gatinhos num rio, mas deixá-los num saco
aberto, numa rua distante. Os gatinhos que saíssem de dentro, e a gata tratasse
deles. Dona Lucilia não quis: “Oh! Coitada da gata, não vamos fazer isso!”
Afinal de contas, a gataria se mudou quando quis... Ficou ali até o último
ponto possível.
Continua...

Nenhum comentário:
Postar um comentário