segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Fatos da vida doméstica de Dona Lucilia II

Continuação do post anterior
“Coitada da gata!”
Uma casa em que moramos na Rua Itacolomy 1 fora construída com muita inteligência por uma pessoa pobre. Os pormenores todos eram bem terminados, com material de categoria, trincos finos, estuques, lustres, vitraux, tudo de muito boa qualidade. Era, portanto, um ambiente onde nos sentíamos bem, embora fosse uma residência muito pequena.
A sala de jantar dava para um espaço por onde poderia passar um automóvel até o fundo do quintal, mas nós não tínhamos carro e Dona Lucilia havia transformado aquele local em galinheiro. Meu pai mandava jacás de galinhas de São José do Rio Preto2, onde ele tinha negócios, e as aves eram criadas ali.
Havia uma janela na sala de jantar que dava para essa passagem — coisa perfeitamente comum —, e depois o muro entre nossa casa e a do vizinho. Mas a proprietária que nos antecedeu nessa residência, com bom gosto em tudo, tinha feito crescer uma hera abundante ao longo do muro; na realidade eram dois muros, porque havia a parede de nosso terreno e a do outro, e a certa altura nosso muro acabava e continuava o do vizinho, com a vegetação cobrindo-o.
Não sei como uma gata, que estava para ter filhotes, se aninhou naquele lugar. Todo dia, na hora do almoço, aparecia e dormia ali, e dizíamos: “Olha a gata...” Mas não percebi que estivesse para dar cria, e mamãe também não me disse. Eu notava que ela mandava dar leite para a gata, mas fingia que não via... Não sei se era só leite, e também biscoitos e outras coisas. A gata se refestelava ali. Como aquilo entretinha mamãe, nós conversávamos um pouco sobre a gata.
Em certo momento, percebi que a gata tinha tido uma série de crias, era uma algazarra de gatinhos miando, molestando toda a vizinhança, e isso não podia continuar. Entretanto, já prevendo a reação de mamãe, nos primeiros dias tive misericórdia com a gata... Quando as crias ficaram um pouco maiorzinhas, eu disse para nossa empregada, uma portuguesa chamada Ana, para pôr fora aquela gataria toda.

Porém, eu não quis fazer isso escondido de mamãe, pois seria um tanto violento, e estava disposto a entrar numa combinação: não jogar os gatinhos num rio, mas deixá-los num saco aberto, numa rua distante. Os gatinhos que saíssem de dentro, e a gata tratasse deles. Dona Lucilia não quis: “Oh! Coitada da gata, não vamos fazer isso!” Afinal de contas, a gataria se mudou quando quis... Ficou ali até o último ponto possível.
Continua...

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