As imagens de Nosso Senhor, junto às quais Dona Lucilia rezava constantemente,
tinham como modelo o Santo Sudário de Turim. Eram profundamente sérias,
tristes, plenas de grandeza e, no olhar, exprimiam a imensidade do amor do
Redentor para com os homens. A piedade dela se exercia em função de Nosso
Senhor visto dessa forma.
Plinio Correa de Oliveira explica qual era a noção, a ideia, que sua mãe tinha a respeito do
Sagrado Coração de Jesus, e o que Este representou para ela.
O Santo Sudário, padrão perfeito das imagens do Sagrado Coração de
Jesus
No tempo de Pio IX, a
Igreja chegou a ter um movimento bem desenvolvido no que diz respeito à devoção
ao Sagrado Coração de Jesus. Esse movimento continuou em algo na época de Leão
XIII, e depois reviveu ainda mais no tempo de São Pio X.
Essa devoção era
incrementada, sobretudo, pelo Apostolado da Oração, grande organização dos
padres jesuítas, que abarcava o mundo inteiro. E a ideia que o Apostolado da
Oração apresentava do Sagrado Coração de Jesus era expressa, até certo ponto,
pelas estampas e imagens daquele tempo, as quais naturalmente tinham diferenças
fisionômicas — porque não há um modelo oficial, e cada artista concebe a figura
de Jesus mais ou menos como entende. Mas as imagens de Nosso Senhor do século
XVIII e épocas anteriores são menos parecidas com as do final do século XIX,
que tomaram como modelo o Santo Sudário, o padrão ideal, perfeito, objetivo.
Estas últimas eram
inteiramente coerentes com o que seria Nosso Senhor gladífero1. Quer dizer, um
homem em luta contínua contra o mal, nas suas horas de bondade, seria bondoso
sem diminuir o seu espírito combativo; e um homem verdadeiramente afável, nas
horas de luta seria gladífero. De maneira que, embora não apresentassem
diretamente Jesus enquanto gladífero, as imagens davam, por assim dizer, uma
pista de voo para se chegar até o gladífero.
Recusa à mentalidade do século XX
Dona Lucilia formou seu
espírito segundo essa concepção. Ela era do tempo de Santa Teresinha do Menino
Jesus, portanto século XIX largamente; e morreu, graças a Deus, bastante idosa,
mas quase não entrou no século XX. Vamos dizer que o século XX, depois de
aproximadamente 1930, ela não acompanhou; e antes disso ela entrou para
recusar. É claro que o fato de ela não ter acompanhado, após 1930, é uma forma
de recusa também.
Dessa forma, sendo Nosso
Senhor bem simbolizado, mamãe tinha uma boa ideia d’Ele. E a imagem que está no
oratório dela exprime adequadamente o que o conjunto das imagens católicas, no
fluxo da devoção ao Sagrado Coração de Jesus no século XIX, apresentava. Dona
Lucilia tinha grande devoção por aquela imagem; e também pela que está no salão
azul 2, feita de alabastro, a qual é inteiramente da escola da imagem que se
encontra no oratório de mamãe. Então a ideia de Nosso Senhor era representada
por essas imagens, muito parecidas com o Santo Sudário.
Imagens sérias, repletas de doçura
Essas imagens apresentam
Nosso Senhor enormemente sério, enormemente triste e enormemente grande. A
atitude do Redentor é de uma seriedade triste, perto da qual o pecador se sente
pequenino. E Ele imenso, não pela estatura física, mas pelo porte moral, perto
do qual qualquer um se sentiria pequeno. Porte moral feito de altíssimas
cogitações. Realmente Ele era uma só Pessoa, mas na qual havia União
Hipostática 3, e as imagens representam a humanidade d’Ele. Quais são as
cogitações de uma natureza humana que está em União Hipostática com Deus?!
Quer dizer, todos os
místicos que houve — há e haverá — não tiveram uma união com Deus parecida com
a União Hipostática. Acrescentemos a isso a santidade perfeita da humanidade
d’Ele, e compreendemos que é insondável a grandeza de sua humanidade; e na
humanidade d’Ele não se vê só humanidade, mas também a divindade, que
transparece por causa da União Hipostática.
Então a grandeza de
Nosso Senhor é uma grandeza muito triste. Em geral as imagens desse tempo são
sérias, de um olhar doce, mas que envolve e penetra na pessoa. E há uma
pergunta implícita n’Aquele que olha para o pecador com bondade, com afeto,
para uma criatura, mais ainda para um filho: “Mas, em troca de tão pouco você
fez tudo isto pelo qual Eu estou sofrendo? Veja bem, você fez e Eu o amo, até o
perdoo, mas quero que você pense!”
Existe uma censura
dentro disso. Não uma censura gladífera e iracunda, mas nobremente
interrogativa, que pergunta, no fundo, o seguinte: “Será que você levará a sua
torpeza e sua maldade a tal ponto que, vendo-Me nessa doçura e nessa atitude de
perdão, você ainda continua endurecido?”
Continua no próximo post
1)
Cf. Ap 1, 16.
2) Sala de visitas do apartamento de Dona Lucilia.
3) Termo
utilizado na Teologia para indicar, em Cristo, a união das duas naturezas –
divina e humana – na Pessoa do Verbo.
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