sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Doçura penetrante e retidão (cont)

Continuação do post anterior
Um sofisma revolucionário
Na minha educação deparei-me com o sofisma revolucionário segundo o qual a autoridade é incompatível com a doçura, a elevação conduz ao desprezo e a fraternidade só se encontra no mundo da liberdade e da igualdade entendidas conforme os conceitos da Revolução Francesa. Para os defensores desta falsa concepção, aquela Revolução foi uma irrupção da doçura no mundo, depois da tirania dos reis e do desprezo dos nobres.
No começo da Revolução Francesa, o Abbé Sieyès1, deputado dos Estados Gerais, definia a ordem de coisas do Ancien Régime2 como uma “cascata de desprezo” que descia dos reis para os príncipes até atingir o povo.
Esta visão errada se difundiu e se impôs ao mundo. Por isso muita gente é favorável à Revolução e, em geral, contrária a toda autoridade que queira se afirmar, por maior que seja sua doçura. A crítica feita à autoridade vai nesse sentido: “Em você falta caridade, bondade, doçura!”.
Portanto, mais ou menos da Revolução Francesa para cá, grande número de autoridades que recuam e não cumprem seu dever procedem assim pelo pavor de serem increpadas como não tendo doçura, como sendo orgulhosas, más etc. E muita gente simpática ao aparato do Ancien Régime, uma vez convencida de que aquele brilho todo redundava em desprezo para quem era menos, retira sua simpatia por não poder concordar com a falta de doçura. Assim, poderíamos dar incontáveis exemplos. É uma montanha de derrotas da Contrarrevolução por causa disso. Derrotas potenciais: antes de travada a batalha, a Contrarrevolução já perdeu terreno.
Bondade hierárquica
Apresentei os aspectos psicológico e tático; devo mostrar agora o caráter mais profundo, que atinge a própria ordem do ser e a própria natureza de Deus. Para um revolucionário, aquele que é maior do que nós não pode nos querer bem, mas nos despreza e deseja esmagar-nos para conter a nossa rebeldia.
O conceito de luta de classes é este: O maior querendo sempre esmagar o menor, e o menor necessariamente se revoltando contra o maior. A concórdia entre as classes sociais, nunca; sempre a luta como desfecho. Segundo esta ideia, o Deus transcendente representa para a criatura humana uma classe diferente, e o homem deve tomar para si um outro deus — amigo, camarada, igual, o deus de todas as igualdades — e deixar de lado o Deus hierárquico considerado mau precisamente por ser sumo e hierárquico.
Então este problema que, num primeiro momento, parece apenas psicológico, e depois, aprofundado, mostra também o aspecto tático possantíssimo, de fato é uma questão metafísica que se apresenta assim: É bom ou não que o homem seja inferior a Deus? Quem nos criou inferiores a Ele fez-nos um favor ou arranjou-nos uma prisão? Mas tudo envolve a questão da doçura: Terá faltado doçura a Ele ou não?
A mentalidade revolucionária não acredita na harmonia como condição normal do trato humano. Ela crê apenas no interesse individual ou coletivo. Essa forma de afeto que consiste em sentir a harmonia ontológica entre uma pessoa e outra, a Revolução não tem; e Dona Lucilia transbordava disso. E daí vinha o fato de ser hierárquica sua bondade.
Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 20/2/1982
1) Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836). Eclesiástico, político e escritor francês imbuído das ideias revolucionárias. Votou pela morte de Luís XVI.

2) Sistema social e político aristocrático em vigor na França entre os séculos XVI e XVIII.

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