segunda-feira, 26 de maio de 2014

Na extrema ancianidade, uma grande provação

Lucilia Correa de Oliveira aos 91 anos
A mais dura prova da existência de Dª Lucilia, a Providência a reservara para seus derradeiros meses de vida. A ancianidade acrisolara sua caridade, e a resignação em sua alma atingira o auge. Encontrava-se ela a cinco meses de seu juízo particular. Os sofrimentos, as lutas precedentes, em nada fizeram diminuir o alto equilíbrio que sua fidelidade à graça batismal generosamente lhe conferira. Muito pelo contrário, tornaram-na ainda mais unida a Deus. No ápice de sua vida espiritual, ela se convertera em um belo escrínio de tradições cristãs dos antigos tempos, provocando irresistível encanto nas almas daqueles que, nessa ocasião, tiveram a felicidade de a conhecer mais de perto.
As provações não conhecem idade, e se apresentam implacáveis até no fim de uma longa vida. Diz o Eclesiástico (40, 1): “Grande preocupação foi imposta a todos os homens, e um pesado jugo carrega sobre os filhos de Adão, desde o dia em que eles saem do ventre de sua mãe, até o dia da sua sepultura (em que eles entram) no seio da mãe comum de todos”. Assim o Espírito Santo, inspirando ao escritor sagrado tão belas palavras, deixa-nos entrever algo desse sublime mistério, ao qual não se subtraiu Dª Lucilia. Com efeito, já quase no limiar da eternidade, verse-ia ela exposta a uma penosa circunstância.
Um vendaval se abate sobre Dr. Plinio
Plinio Correa de Oliveira - 5 novembro 1967
Em fins de 1967 uma forte crise de diabetes acometeu Dr. Plinio. Apesar de terem procurado ocultar o fato a Dª Lucilia , esta teve clara idéia, por sua aguda intuição materna, de que algo de muito grave acontecia ao “filho querido de seu coração”.
No dia 5 de novembro daquele ano Dr. Plinio participou de uma solene celebração litúrgica na Catedral de São Paulo, comparecendo ao ato em posição de muito destaque. As cenas que então se desenrolaram, tanto no interior do templo quanto nas suas escadarias, foram filmadas pelo famoso cineasta Primo Carbonari, cujo noticiário era exibido em todos os cinemas do Brasil.
Poucos dias depois, Dr. Plinio foi convidado, com mais alguns amigos, a assistir à avant-première desse documentário. Ao ver-se a si mesmo na tela, teve uma reação de espanto por verificar — dado seu alto tino psicológico — quanto o próprio vigor físico estava minado por alguma grave enfermidade. No dia 1º de dezembro, cancelou sua costumeira conferência semanal, saindo de casa somente à tarde, para ir ao Santuário do Sagrado Coração de Jesus. Ao descer do automóvel, causou surpresa ao ser visto caminhar com o auxílio de bengala e calçando no pé direito um leve chinelo. Tinha a fisionomia muito abatida. Entretanto, com sua invariável finura, em nada deixava transparecer, aos que o cumprimentavam, seu mal-estar físico.
No dia seguinte não encontrou forças para sair de casa a fim de cumprir o preceito dominical, sendo-lhe levada a Sagrada Comunhão. Segundo o relato de uma pessoa que teve a oportunidade de estar com ele de manhã e à tarde, era impressionante notar, ao cumprimentá-lo, a elevada temperatura de sua mão. Nos dias subseqüentes, a febre ultrapassaria a casa dos trinta e nove graus. Apesar disto, Dr. Plinio mantinha inalterável amenidade, nobreza e distinção de trato, tal qual aprendera de Dª Lucilia.
Narrações feitas por ele próprio, tempos depois, revelaram a grande provação que enfrentava nessa ocasião:
“Quando me apareceu esta espécie de abscesso, imediatamente me lembrei do pensamento que tivera assistindo ao filme. Parecia-me que algo de absurdo se realizava. Vi-me obrigado a passar alguns dias em casa, envidando, porém, todos os esforços para que mamãe nada percebesse. Minha penosa deambulação era feita com o auxílio de alguns apoios. Lembro-me que uma vez mamãe estava sentada à mesa, à minha espera, e eu, ao passar pelo hall, escorreguei e caí. Minha febre já estava altíssima. Uma antiga empregada, não compreendendo que eu levasse meu desvelo por mamãe ao ponto de esconder minha doença, a fim de lhe poupar preocupações, disse-me num tom de acidez:
“— Qual é o problema? Por que o senhor não lhe conta de uma vez o que o senhor tem?
“Manifestando desagrado respondi:
“— Você não percebe que eu não quero aborrecê-la?
“— Mas até esse ponto?
“— Até esse ponto! Quem gradua isto sou eu — retruquei.
“Tendo-me levantado, dirigi-me à sala onde estava mamãe, enquanto pensava: O que eu pressentia se está realizando. Estou com uma grave enfermidade, serei obrigado a chamar médicos, que me apresentarão um terrível diagnóstico...”
De fato, no dia seguinte, segunda-feira, bem cedo, Dr. Plinio recorreu aos médicos e viu-se introduzido num túnel, à primeira vista, sem saída. Os resultados dos exames de laboratório revelaram uma forte crise de diabetes. Foi-lhe determinado repouso absoluto, regime alimentar restrito, remédios e controle glicêmico para rapidamente serem debelados os distúrbios orgânicos produzidos pela enfermidade. Entretanto, restava um problema não menos trágico: uma gangrena em seu pé direito.
Em face de tal quadro, Dr. Plinio pensou: “Minha previsão se confirmou. Um vendaval se abaterá sobre mim, e mamãe ainda vai morrer por estes dias...”
Se o coração de um filho pode às vezes ser acometido por intuições, o que se dirá do discernimento materno? É certo que Dª Lucilia percebeu estar-se passando algo de estranho com Dr. Plinio.

Feliz e pobre Dª Lucilia! Lucraria a companhia diária de seu filho até o dia 21 de abril seguinte, data em que ela compareceria diante de Deus para ser julgada. 

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