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Lucilia Correa de Oliveira aos 91 anos |
A
mais dura prova da existência de Dª Lucilia, a Providência a reservara para
seus derradeiros meses de vida. A ancianidade acrisolara sua caridade, e a
resignação em sua alma atingira o auge. Encontrava-se ela a cinco meses de seu
juízo particular. Os sofrimentos, as lutas precedentes, em nada fizeram
diminuir o alto equilíbrio que sua fidelidade à graça batismal generosamente
lhe conferira. Muito pelo contrário, tornaram-na ainda mais unida a Deus. No
ápice de sua vida espiritual, ela se convertera em um belo escrínio de
tradições cristãs dos antigos tempos, provocando irresistível encanto nas almas
daqueles que, nessa ocasião, tiveram a felicidade de a conhecer mais de perto.
As
provações não conhecem idade, e se apresentam implacáveis até no fim de uma
longa vida. Diz o Eclesiástico (40, 1): “Grande preocupação foi imposta a todos
os homens, e um pesado jugo carrega sobre os filhos de Adão, desde o dia em que
eles saem do ventre de sua mãe, até o dia da sua sepultura (em que eles entram)
no seio da mãe comum de todos”. Assim o Espírito Santo, inspirando ao escritor
sagrado tão belas palavras, deixa-nos entrever algo desse sublime mistério, ao
qual não se subtraiu Dª Lucilia. Com efeito, já quase no limiar da eternidade,
verse-ia ela exposta a uma penosa circunstância.
Um vendaval se abate sobre
Dr. Plinio
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Plinio Correa de Oliveira - 5 novembro 1967 |
Em
fins de 1967 uma forte crise de diabetes acometeu Dr. Plinio. Apesar de terem
procurado ocultar o fato a Dª Lucilia , esta teve clara idéia, por sua aguda
intuição materna, de que algo de muito grave acontecia ao “filho querido de seu
coração”.
No
dia 5 de novembro daquele ano Dr. Plinio participou de uma solene celebração
litúrgica na Catedral de São Paulo, comparecendo ao ato em posição de muito
destaque. As cenas que então se desenrolaram, tanto no interior do templo
quanto nas suas escadarias, foram filmadas pelo famoso cineasta Primo
Carbonari, cujo noticiário era exibido em todos os cinemas do Brasil.
Poucos
dias depois, Dr. Plinio foi convidado, com mais alguns amigos, a assistir à
avant-première desse documentário. Ao ver-se a si mesmo na tela, teve uma
reação de espanto por verificar — dado seu alto tino psicológico — quanto o
próprio vigor físico estava minado por alguma grave enfermidade. No dia 1º de
dezembro, cancelou sua costumeira conferência semanal, saindo de casa somente à
tarde, para ir ao Santuário do Sagrado Coração de Jesus. Ao descer do
automóvel, causou surpresa ao ser visto caminhar com o auxílio de bengala e
calçando no pé direito um leve chinelo. Tinha a fisionomia muito abatida.
Entretanto, com sua invariável finura, em nada deixava transparecer, aos que o
cumprimentavam, seu mal-estar físico.
No
dia seguinte não encontrou forças para sair de casa a fim de cumprir o preceito
dominical, sendo-lhe levada a Sagrada Comunhão. Segundo o relato de uma pessoa
que teve a oportunidade de estar com ele de manhã e à tarde, era impressionante
notar, ao cumprimentá-lo, a elevada temperatura de sua mão. Nos dias
subseqüentes, a febre ultrapassaria a casa dos trinta e nove graus. Apesar
disto, Dr. Plinio mantinha inalterável amenidade, nobreza e distinção de trato,
tal qual aprendera de Dª Lucilia.
Narrações
feitas por ele próprio, tempos depois, revelaram a grande provação que
enfrentava nessa ocasião:
“Quando
me apareceu esta espécie de abscesso, imediatamente me lembrei do pensamento
que tivera assistindo ao filme. Parecia-me que algo de absurdo se realizava.
Vi-me obrigado a passar alguns dias em casa, envidando, porém, todos os
esforços para que mamãe nada percebesse. Minha penosa deambulação era feita com
o auxílio de alguns apoios. Lembro-me que uma vez mamãe estava sentada à mesa,
à minha espera, e eu, ao passar pelo hall, escorreguei e caí. Minha febre já
estava altíssima. Uma antiga empregada, não compreendendo que eu levasse meu
desvelo por mamãe ao ponto de esconder minha doença, a fim de lhe poupar
preocupações, disse-me num tom de acidez:
“—
Qual é o problema? Por que o senhor não lhe conta de uma vez o que o senhor
tem?
“Manifestando
desagrado respondi:
“—
Você não percebe que eu não quero aborrecê-la?
“—
Mas até esse ponto?
“—
Até esse ponto! Quem gradua isto sou eu — retruquei.
“Tendo-me
levantado, dirigi-me à sala onde estava mamãe, enquanto pensava: O que eu
pressentia se está realizando. Estou com uma grave enfermidade, serei obrigado
a chamar médicos, que me apresentarão um terrível diagnóstico...”
De
fato, no dia seguinte, segunda-feira, bem cedo, Dr. Plinio recorreu aos médicos
e viu-se introduzido num túnel, à primeira vista, sem saída. Os resultados dos
exames de laboratório revelaram uma forte crise de diabetes. Foi-lhe
determinado repouso absoluto, regime alimentar restrito, remédios e controle
glicêmico para rapidamente serem debelados os distúrbios orgânicos produzidos
pela enfermidade. Entretanto, restava um problema não menos trágico: uma
gangrena em seu pé direito.
Em
face de tal quadro, Dr. Plinio pensou: “Minha previsão se confirmou. Um
vendaval se abaterá sobre mim, e mamãe ainda vai morrer por estes dias...”
Se
o coração de um filho pode às vezes ser acometido por intuições, o que se dirá
do discernimento materno? É certo que Dª Lucilia percebeu estar-se passando
algo de estranho com Dr. Plinio.
Feliz
e pobre Dª Lucilia! Lucraria a companhia diária de seu filho até o dia 21 de
abril seguinte, data em que ela compareceria diante de Deus para ser julgada.
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