terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A presença de Dona Lucilia

Distraindo-se com um orador português
Quando Dª Lucilia manifestava um certo gosto pelo pitoresco ou mesmo pelo espirituoso, fazia-o sem empanar a atmosfera de respeitabilidade que sua presença suscitava. Certo dia ela foi levada por seu filho para assistir a uma conferência numa semana de estudos, durante a qual fez uso da palavra um professor universitário luso. Em seu discurso, que ele iniciou como quem tivesse saído da platéia improvisadamente, teve alguns ditos engraçados, à maneira portuguesa.
Dona Lucilia estava sentada logo nas primeiras fileiras. Em determinado momento, Dr. Plinio, que presidia à sessão, ao correr os olhos sobre o auditório, discerniu pelo todo de sua mãe estar ela achando que o orador empregava com acerto uma jocosidade de boa lei. De tal maneira que, com um lencinho, ela procurava ocultar o riso...
Ao chegar de volta, Dª Lucilia comentou com Dr. João Paulo ter assistido à conferência de um professor espirituoso, contou como eram os modos dele, e manifestou ter gostado muito. Ouvindo isto, Dr. Plinio convidou certa noite aquele conferencista para ir à sua casa, a fim de lhe apresentar seus pais. Na verdade, seu objetivo — sem que o convidado percebesse — era bem outro: entreter Dª Lucilia com sua prosa.
Realizado o encontro, não demorou muito para que o bom lusitano começasse a contar fatos pitorescos, entremeados de gracejos, novamente distraindo Dª Lucilia.
Depois que o visitante se retirou, ela agradeceu a seu filho por lhe ter proporcionado uma noite muito agradável.
“Apesar disso — comenta Dr. Plinio — ela não era freqüentadora do riso. Em sua vida, esse é um dos poucos fatos do gênero.”
O encanto de um “hidalgo” espanhol
Bastava alguém ter a alma aberta ao sobrenatural para, estando com Dª Lucilia, mesmo sem a conhecer mais a fundo, logo se sentir atraído por sua grande benevolência. Eram os lados bons da alma que se rejubilavam e se sentiam fortalecidos, reanimados, no convívio com ela. Foi o que aconteceu a um hidalgo1 espanhol de passagem por São Paulo.
Certo dia, muito cedo, soou a campainha do apartamento. Tendo atendido à porta, a empregada procurou Dr. Plinio e lhe comunicou encontrar-se no hall um estranho, falando uma língua que ela não entendia. Ele foi ver de quem se tratava e deparou um senhor com qual travara amizade em uma de suas viagens à Espanha. Alto e bem-apessoado, aparentava provir de nobre estirpe. Na verdade, era fidalgo.
A visita inesperada dava-se em hora pouco habitual, e toda a família ainda dormia. Pelo fato de a empregada não entender suas palavras, e talvez devido ao cansaço da viagem, o recém-chegado parecia um tanto impaciente. Dr. Plinio recebeu-o com amabilidade e o convidou para jantar em casa naquela noite.
À hora aprazada, naturalmente estavam também à mesa os pais de Dr. Plinio. Tão logo Dª Lucilia foi apresentada ao visitante, este ficou cativado pela transbordante bondade dela. Durante toda a refeição, repetidas vezes a olhava com evidente encanto.
Em dado momento, voltou-se para Dr. Plinio e exclamou com a ênfase própria do povo a que pertencia:
“¡Como me gusta, ella!”2. E para melhor manifestar sua simpatia, pousou sua mão sobre a dela e começou a agradá-la, repetindo várias vezes a mesma exclamação. Dona Lucilia ficou um tanto incomodada pelo amável gesto do conviva. Entretanto, sempre cerimoniosa, nada deixou transparecer.
A cena marcou profundamente a Dr. Plinio, não só pela forma inusual, se bem que fidalga e franca, com que o visitante expressou seus sentimentos, mas sobretudo porque alguém, de temperamento tão diferente do brasileiro, mostrava-se de tal modo sensível às qualidades de alma de Dª Lucilia.
 (Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias)

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