Distraindo-se com um orador português
Quando Dª Lucilia manifestava um certo
gosto pelo pitoresco ou mesmo pelo espirituoso, fazia-o sem empanar a atmosfera
de respeitabilidade que sua presença suscitava. Certo dia ela foi levada por
seu filho para assistir a uma conferência numa semana de estudos, durante a
qual fez uso da palavra um professor universitário luso. Em seu discurso, que
ele iniciou como quem tivesse saído da platéia improvisadamente, teve alguns
ditos engraçados, à maneira portuguesa.
Dona Lucilia estava sentada logo nas
primeiras fileiras. Em determinado momento, Dr. Plinio, que presidia à sessão,
ao correr os olhos sobre o auditório, discerniu pelo todo de sua mãe estar ela
achando que o orador empregava com acerto uma jocosidade de boa lei. De tal
maneira que, com um lencinho, ela procurava ocultar o riso...
Ao chegar de volta, Dª Lucilia comentou
com Dr. João Paulo ter assistido à conferência de um professor espirituoso,
contou como eram os modos dele, e manifestou ter gostado muito. Ouvindo isto,
Dr. Plinio convidou certa noite aquele conferencista para ir à sua casa, a fim
de lhe apresentar seus pais. Na verdade, seu objetivo — sem que o convidado
percebesse — era bem outro: entreter Dª Lucilia com sua prosa.
Realizado o encontro, não demorou muito
para que o bom lusitano começasse a contar fatos pitorescos, entremeados de
gracejos, novamente distraindo Dª Lucilia.
Depois que o visitante se retirou, ela
agradeceu a seu filho por lhe ter proporcionado uma noite muito agradável.
“Apesar disso — comenta Dr. Plinio —
ela não era freqüentadora do riso. Em sua vida, esse é um dos poucos fatos do
gênero.”
O encanto de um “hidalgo” espanhol
Bastava alguém ter a alma aberta ao
sobrenatural para, estando com Dª Lucilia, mesmo sem a conhecer mais a fundo,
logo se sentir atraído por sua grande benevolência. Eram os lados bons da alma
que se rejubilavam e se sentiam fortalecidos, reanimados, no convívio com ela.
Foi o que aconteceu a um hidalgo1 espanhol de passagem por São Paulo.
Certo dia, muito cedo, soou a campainha
do apartamento. Tendo atendido à porta, a empregada procurou Dr. Plinio e lhe
comunicou encontrar-se no hall um estranho, falando uma língua que ela não
entendia. Ele foi ver de quem se tratava e deparou um senhor com qual travara
amizade em uma de suas viagens à Espanha. Alto e bem-apessoado, aparentava
provir de nobre estirpe. Na verdade, era fidalgo.
A visita inesperada dava-se em hora
pouco habitual, e toda a família ainda dormia. Pelo fato de a empregada não
entender suas palavras, e talvez devido ao cansaço da viagem, o recém-chegado
parecia um tanto impaciente. Dr. Plinio recebeu-o com amabilidade e o convidou
para jantar em casa naquela noite.
À hora aprazada, naturalmente estavam
também à mesa os pais de Dr. Plinio. Tão logo Dª Lucilia foi apresentada ao
visitante, este ficou cativado pela transbordante bondade dela. Durante toda a
refeição, repetidas vezes a olhava com evidente encanto.
Em dado momento, voltou-se para Dr.
Plinio e exclamou com a ênfase própria do povo a que pertencia:
“¡Como me gusta, ella!”2. E para melhor
manifestar sua simpatia, pousou sua mão sobre a dela e começou a agradá-la,
repetindo várias vezes a mesma exclamação. Dona Lucilia ficou um tanto
incomodada pelo amável gesto do conviva. Entretanto, sempre cerimoniosa, nada
deixou transparecer.
A cena marcou profundamente a Dr.
Plinio, não só pela forma inusual, se bem que fidalga e franca, com que o
visitante expressou seus sentimentos, mas sobretudo porque alguém, de
temperamento tão diferente do brasileiro, mostrava-se de tal modo sensível às
qualidades de alma de Dª Lucilia.
(Transcrito, com adaptações, da obra
“Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias)
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