sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Retorno ao lar

Na derradeira etapa de sua viagem pela Europa em 1952, Dr. Plinio deixou a França em direção à Inglaterra, tão querida de Dª Lucilia, onde se encantou com a famosa Casa do Parlamento — vasto edifício em estilo neo-gótico, construído no século passado de acordo com o projeto de um arquiteto católico — cujas torres se refletem belamente no Tâmisa.
Partindo do Reino Unido em 29 de agosto, Dr. Plinio passou rapidamente por Paris, e no dia 30 desembarcava no avoengo Portugal, não menos amado de Dª Lucilia. Neste último país, ao visitar a histórica e célebre cidade de Coimbra, esteve com a Irmã Lúcia, a quem Nossa Senhora aparecera em Fátima.
Finalmente, uma fotografia dele, tirada no aeroporto de Madri, trazia no verso expressivas palavras, e prenunciava seu breve regresso a São Paulo, dando a Dª Lucilia um antegozo do reatamento do convívio com seu filho.
Lú, querida minha
Antes de descer no Pernambuco tão caro ao Dr. João Paulo, envio-lhe um milhão de beijos, e a ele muitos abraços. E, para consolar a Senhora destes dias de atraso em minha chegada, aí vai esta fotografia que tirei no aeroporto de Madrid, vindo de Lisboa. Beijos e beijos a Rosée e Maria Alice, e abraços para as tias, Antônio, Eduardo.
Espero que meu banquete de chegada esteja à altura da viagem que foi ótima, e a respeito da qual muito terei que lhe dizer. Pede sua bênção com o carinho e respeito de sempre,
Plinio
Visita aos parentes pernambucanos
Certa manhã, nos primeiros dias de setembro, Dª Lucilia, radiante, pôde abraçar e beijar seu “pigeon” querido, não só “espiritualmente”, mas de verdade. Agora sim, para ela a casa tomava vida, pois o “dono e senhor” chegara. Que alegria pensar na possibilidade de, talvez naquela mesma noite, ser restaurada a “prosinha”. Três meses de viagens de seu “filhão” pela Europa, em contato com pessoas de origem e mentalidade tão diferentes, prometiam temas para longas e entretidas conversas, se bem que ainda mais atraente fosse a presença dele.
Seguindo a sugestão de seu pai, Dr. Plinio de fato interrompera sua viagem, descendo em Pernambuco, a fim de estar com os Corrêa de Oliveira. Dª Lucilia se interessou desde logo por saber como estava a família de seu esposo, a qual conhecera após o casamento, havia mais de 40 anos. Teria conservado o Engenho Uruaé sua antiga aparência? Estaria tudo como antigamente, a capela, a casa, os móveis, e até mesmo os vestígios das construções de épocas passadas? Quiçá ruínas a recordar o tempo em que os ancestrais da família haviam desbravado aquelas vastidões?
O tio de Dr. Plinio, Antônio Corrêa de Oliveira — morgado da família — recebeu seu sobrinho com toda a solicitude. Era um homem imponente, que encarnava as melhores tradições do Brasil Imperial. Na fazenda, trajava-se da maneira mais despretensiosa possível, à moda do Nordeste: uma simples roupa de linho branco, que lhe realçava o ar senhorial.
Fiéis aos antigos costumes, serviram ao visitante um lauto e magnífico almoço, bem animado por agradável prosa. Terminada a refeição, todos passaram ao terraço onde o senhor-de-engenho se deitou na rede — só ele — enquanto os outros se sentavam por perto em cômodas cadeiras, prolongando a conversa. Contemplando seus domínios como um pequeno soberano, com uma vara ele fazia vagarosamente balançar a rede para lá e para cá.
Dr. Plinio guardou também grata lembrança do almoço que lhe ofereceram sua prima Luzia — filha do tio Antônio — e o esposo, Nelson Rabello, em sua residência de Recife. A prole do casal era simpática e numerosa. Porém, a atenção de Dr. Plinio voltou-se mais especialmente para sua tia e madrinha, Teresa, solteira, residente em Goiana e pessoa de uma piedade ardente e modelar.
Depois dessa breve escala na terra de seus ancestrais nordestinos, Dr. Plinio finalmente embarcou para o almejado reencontro com sua querida mãe, em São Paulo.
Requinte de qualidades
São inúmeras as recordações do abençoado convívio de Dª Lucilia com seu filho e com outras pessoas, nos últimos anos de vida dessa inesquecível dama paulista. Seria nesse período, durante o qual se entregaria de modo especial à oração e à reflexão, que ela mais requintaria suas virtudes, tal como uma rosa cuja fragrância é melhor sentida ao ser destacada da roseira e colocada numa bela jarra de cristal, para servir de adorno num salão.
Assim, no convívio com Dª Lucilia, a afabilidade não fez senão acrisolar-se no volver dos tempos. Sua elevação de espírito se foi tornando cada vez mais penetrada pelo sobrenatural, suas maneiras e sua presença passaram a ser, em grau ainda maior, atraentes fatores de bem-estar e de respeitabilidade.
Imbuída de profunda confiança na infinita bondade do Sagrado Coração de Jesus, Dª Lucilia continuará a dar alento a todos os que dela se aproximarem necessitados de consolação, aplicando com eficácia o lenitivo da caridade cristã.
Se a essa altura Dª Lucilia tivesse entregado a alma a Deus, bela já teria sido sua existência. Entretanto, ao longo do último período de sua vida, no recolhido ambiente de sua residência na Rua Alagoas, ela externará de forma mais alcandorada a plenitude de seu afeto e benquerença.
O apartamento se conserva hoje tal qual era, primorosamente montado pelo bom gosto e pelo amor filial de Dª Rosée e de Dr. Plinio. Suas paredes e os objetos que ali estão muito teriam a narrar, se tivessem o dom da palavra. Sobremaneira interessante seria poder ouvir o que a imagem do Sagrado Coração de Jesus teria a contar sobre as inúmeras orações de Dª Lucilia. Nunca se soube o que ela tratava com Nosso Senhor naqueles silenciosos diálogos. Nem a seu filho chegou ela a confidenciar algo a tal respeito.

Entretanto, se essa piedosa intimidade permaneceu num inviolável sigilo, alguns pequenos fatos da vida serena e caseira de Dª Lucilia ultrapassaram as paredes desse abençoado lar.
Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias

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