sábado, 27 de abril de 2013

Cumprimento das obrigações

Plinio Correa de Oliveira aos 22 anos

DªLucilia cuidou especialmente para que seu filho não se desviasse do cumprimento das obrigações familiares ou de cortesia, fosse qual fosse o modo de pensar daqueles a quem se devia deferência. Dr. Plinio tinha em sua mãe o melhor exemplo a seguir, posto ser ela exímia observadora dessas normas.
Um dia, durante o almoço, um dos parentes mais chegados de Dª Lucilia anunciou que iria fazer uma conferência sobre matéria científica, ligada à sua profissão. A simpática comunicação significava discreto convite aos presentes, mais concretamente aos homens, visto não se interessarem as senhoras por esse tipo de temas.
Dª Lucilia desejou-lhe bom sucesso na exposição e permaneceu meio distante do assunto, mas seu filho logo percebeu que não escaparia com facilidade do incômodo evento. O tema da conferência, para quem dele não entendia, parecia extremamente árido e aborrecido. Dr. Plinio achou melhor nada dizer. “Quem sabe — pensou com seus botões — mamãe se esquece e não pede que eu vá...”
No entanto, em se tratando de fazer amabilidade a alguém, não havia perigo; esse lapso de memória ela não teria. Poucos dias depois, com toda a suavidade, lembrou a Dr. Plinio:
— Filhão, você se recorda da conferência de seu parente hoje?
Percebendo ser impossível furtar-se da “tortura” intelectual, ele respondeu com toda a submissão:
— Sim, senhora, lembro-me.
Ela continuou:
— Você sabe, filhão, que deve comparecer, não é?
Dr. Plinio tentou um último recurso para conseguir escapar:
— Mas, meu bem, não entendo do tema, não faz sentido eu ir...
Não houve remédio. Os argumentos, envoltos em doçura e jeitosamente apresentados por ela, eram irresistíveis. A palestra se realizou numa pequena sala do edifício Martinelli, no centro de São Paulo. O conferencista mostrou-se uma verdadeira revelação, conseguindo transformar um assunto, de si monótono, em algo atraente e interessante para um auditório de leigos naquela especialidade.
De volta a casa, Dr. Plinio elogiou muito o expositor. A princípio, Dª Lucilia pensou estar ele ironizando, mas ao notar que falava seriamente, ficou contente, pois dali havia resultado um bem, tanto para aquele seu parente, que se sentira satisfeito com a presença de Dr. Plinio, como para este, que havia gostado de ouvi-lo.
A passagem de ano de Dª Lucilia
Dada a profunda seriedade de espírito de Dª Lucilia, possuía ela um modo próprio de comemorar a passagem de ano. Ao chegar o último dia de dezembro, rememorava tudo quanto havia ocorrido em sua vida particular, como também no âmbito de sua família. Era quase um exame de consciência: “Como foi o ano? Foi pior ou melhor que o anterior? Quais as graças que nos foram concedidas pela Santíssima Virgem? Como correspondemos a esses benefícios?...”
Se, como afirma o Divino Mestre, “até os próprios cabelos da vossa cabeça estão todos contados (Mt 10, 30), quanta importância deve ter aos olhos de Deus a existência de qualquer criatura humana? Esta consideração era suficiente para atrair a atenção de Dª Lucilia sobre os acontecimentos do ano que se findava.
Depois de agradecer ao Sagrado Coração de Jesus e a Nossa Senhora todas os dons recebidos, implorava proteção para o novo ano.
À noite, Dr. Plinio ia à igreja, onde os Congregados Marianos, em conjunto, assistiam ao cântico do Te Deum, que naquela ocasião se revestia de especial solenidade. Despedia-se de Dª Lucilia ao sair, e ela o abraçava pela última vez no ano, com todo o afeto, abençoava-o e lhe fazia inúmeras cruzinhas na fronte.
Ao voltar da igreja, já bem depois da meia-noite, ele encontrava Dª Lucilia terminando de preparar uma pequena ceia, sempre mais simples que a da noite de Natal. Ela o recebia com todo o carinho, reservando as primeiras felicitações de Ano Novo ao seu “filhão”. Depois sentavam-se à mesa, Dr. Plinio contava como tinha sido a cerimônia religiosa e ficavam conversando até altas horas, sem se preocuparem com o relógio. Era a primeira “prosinha” do ano...

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Um aniversário no Céu


Por que se festeja o aniversário de alguém? A razão é muito simples: o aniversário de uma pessoa representa o momento em que esta entrou no cenário da vida, o momento em que a sociedade humana se enriqueceu com mais uma presença. Cada nascimento constitui um favor, uma graça de Deus, porque todo homem — por mais que seja concebido em pecado original ou traga alguma deficiência de família — é uma criatura de grande valor. E essa criatura representa um enriquecimento altamente ponderável para a humanidade.


Como se comemora um aniversário no Céu? Talvez a questão não esteja bem formulada. Comemora-se um aniversário no Céu?  Não o sabemos, mas nada impede que a resposta seja afirmativa. O relacionamento com Deus, os perpétuos colóquios com o Altíssimo, a contemplação do Criador, constituem o principal “atrativo” celeste. Porém, haverá entre as almas justas, um verdadeiro  convívio, muito mais atraente que o da terra? Segundo Santo Agostinho, “extrinsecamente, se pode dizer que [a criatura] é ajudada pelo fato de  que, umas às outras se vêem e se alegram de sua companhia em Deus”1. Diante disso, outra interrogação surge: neste alegrar-se com a companhia dos bem aventurados,  os santos não podem se reunir para festejar algo? 

No próximo dia 22 de abril se comemora o aniversário de Dona Lucilia.

sábado, 13 de abril de 2013

Cenas de um intenso convívio


Ao longo de várias décadas, inúmeros episódios marcaram as afetuosas relações entre Dª Lucilia e Dr. Plinio, sob as bênçãos do Sagrado Coração de Jesus

A suave e abençoada convivência entre Dª Lucilia e seu querido filho esteve sempre marcada por traços edificantes e dignos de admiração. Em todos, nos maiores como nos menores, nos é dado conhecer um pouco mais da bela alma daquela mãe tão extremosa. Por exemplo, no seguinte episódio.
Causa involuntária de aflição
Após ter concluído os exames do último ano de Direito, no final de 1930, Plinio foi com mais dois amigos da Congregação Mariana de Santa Cecília passar uns dias de repouso na fazenda de um deles, em Botucatu. Mudança de ares, sentir-se longe dos livros de estudo e não mais sujeitos aos apertantes questionários dos examinadores, céu azul no qual brilhava luminoso sol de verão, verdes matas, tudo aquilo exerceu um revitalizante efeito sobre os jovens citadinos.
E, naturalmente, quando lhes aprouve, mandaram selar três cavalos para transpor vales e montes. Aconteceu, porém, que a sela do cavalo de Plinio, por estar mal-ajustada, a um movimento brusco escorregou. Caindo desamparado, bateu ele violentamente com as costas numa pedra do caminho. A pancada foi tão forte que o deixou dois ou três meses com dificuldade de caminhar, e obrigado a usar bengala. Porém, não deu importância ao acidente e continuou a vida sem se preocupar com ele.
Quando chegou a São Paulo, num primeiro momento Dª Lucilia se assustou um pouco, mas logo serenou ante as palavras tranqüilizantes de seu filho. Observando sua fisionomia tão saudável, acabou por concordar em que aquela contusão não exigia maiores cuidados, pois terminaria por se curar naturalmente.
Porém, um amigo de Plinio, cujo tio era um dos melhores clínicos de São Paulo, ao passar certa noite pela casa de Dª Lucilia, transmitiu-lhe uma recomendação que a deixou alarmadíssima. Ele havia estado com esse tio e lhe contara a queda que seu amigo sofrera, bem como sua posterior dificuldade de caminhar. O médico aconselhou tirar uma radiografia da coluna vertebral. Era possível ter havido uma lesão grave, cujas conseqüências viessem a se manifestar anos mais tarde, embora, de momento, aquilo pudesse parecer banal.
Assustada ao ouvir essas palavras, ditas com toda a frieza técnica de quem dá um diagnóstico, Dª Lucilia insistiu docemente com seu filho para que seguisse a orientação médica. Plinio, sentindo-se em plena força de seus vigorosos 21 anos, a princípio não quis. Achava melhor não começar a procurar doenças, pois os médicos ainda eram capazes de encontrá-las e, no afã de curá-lo, acabariam por perturbar seu equilíbrio interno. No entanto, dada a suave insistência de sua extremosa mãe, decidiu por fim atendê-la, apenas para lhe sanar a aflição.
Resolveram ir no dia seguinte ao Instituto Paulista, onde havia um radiologista de confiança. Dª Lucilia telefonou-lhe com antecedência para combinar a hora e assegurar que a radiografia seria tirada, pois tinha receio que, se houvesse algum percalço, seu filho desistisse de lá retornar. Conhecendo bem a despreocupação de Plinio com as normas clínicas, quis acompanhá-lo, para certificar-se pessoalmente do resultado dos exames.
Enquanto esperava que a radiografia ficasse pronta, Plinio foi passear um pouco pelo jardim com seu amigo — que o acompanhara também — e visitar a capela do hospital, a fim de adorar o Santíssimo Sacramento.
Dª Lucilia aguardava na sala de espera, rezando o rosário. Até ali ela não havia demonstrado a aflição que lhe causava a perspectiva de ver seu filho imobilizado. Porém, à medida que se aproximava a hora de tomar conhecimento do resultado do exame, essa aflição aumentou, levando-a a implorar confiante o auxílio do Sagrado Coração de Jesus, por intercessão da Santíssima Virgem.
Quando Plinio voltou para junto de sua mãe, percebeu ter ela vertido copiosas lágrimas e que um vagalhão de apreensões lhe toldara o aveludado olhar. Então deu-se conta de quanto a atormentava aquele pequeno problema de saúde dele, e perguntou filialmente:
— Mas, mãezinha, o que é isso?
Ela, porém, não respondeu e continuou a desfiar silenciosamente as contas do rosário. Plinio insistiu:
— Mas, me explique um pouco.
Ela então respondeu:
— Estou muito apreensiva.
— Mas por que razão a senhora está apreensiva? — continuou Plinio, sem entender bem como algo para ele tão insignificante pudesse causar à sua mãe um tal grau de preocupação.
Dª Lucilia, cada vez mais séria pela angústia que sentia, apenas se limitou a dizer:
— Conforme for, você verá...
Não havia forma de a consolar. Os minutos que restaram de espera, passaram-nos em silêncio. Por fim, o médico apareceu à porta da sala com a radiografia na mão e alvissareiramente anunciou:
— Não tem nada.
A forma simplificada com que o resultado foi transmitido não tranqüilizou inteiramente Dª Lucilia, que perguntou:
 — Mas, doutor, o senhor garante que não tem nada mesmo?
Ele, para sossegá-la, disse:
— Dª Lucilia, a senhora querendo, eu posso mostrar. Olhe aqui. Está tudo perfeito... — e lhe deu uma rápida explicação.
Ante a segurança com que o radiologista falava, as pesadas nuvens da incerteza se dissiparam em sua alma, ela serenou e deu interiormente graças ao Sagrado Coração de Jesus por ter protegido Plinio mais uma vez.
Firmeza na defesa da Fé
Porém, de parte de seu filho, o coração de Dª Lucilia muito mais recebia motivos de contentamento que apreensões. Consolava-a muito, por exemplo, o fato de ver Dr. Plinio, nóvel advogado, integrado no Movimento Mariano, assumir uma posição militante em defesa da Igreja ao participar das controvérsias que animavam os serões no palacete Ribeiro dos Santos. Quando algum tema polêmico faiscava no ar, Dr. Plinio não perdia a oportunidade de atear fogo ao debate e entrar com argumentação cerrada contra algum desvio doutrinário.
Dª Lucilia jamais lhe permitia qualquer falta de respeito para com os mais velhos — defeito, aliás, que ele nunca teve — mas no campo da contenda intelectual lhe reconhecia todas as liberdades. Como o geral das senhoras, normalmente ela não tomava parte ativa nas discussões. Porém, seguia atentamente seu desenrolar.
Quando estas fervilhavam, os convivas, antes mesmo de passarem para os sofás ao final da refeição, continuavam ardorosamente esgrimindo argumentos de um lado e de outro. Os homens puxavam da cigarreira, os mais antigos enrolavam a palha e fabricavam o próprio cigarro.
Dª Lucilia, dando seu silencioso apoio a Dr. Plinio, que não cedia terreno, aplicava seu gosto artístico sobre um palito (palitos e paliteiros eram então de uso obrigatório nas mesas de refeição). Com auxílio da faca ia levantando pequenas lascas ao longo da haste, em toda a sua circunferência, do que resultava a formação, na ponta, de algo semelhante a uma florzinha campestre. Ao fazê-lo, sua fisionomia era de visível contentamento.
Os parentes acabavam por abandonar a discussão, chegando mesmo a reconhecer entre si que os argumentos de Dr. Plinio, de uma lógica surpreendente, não eram nada fáceis de derrubar.
Dª Lucilia, conquanto se abstivesse de elogiar seu filho, interiormente se rejubilava, entrevendo que ele haveria de empreender grandes feitos em defesa da Igreja.
As “prosinhas” da meia-noite
Terminada a conversa após o jantar, as pessoas se despediam e cada uma seguia seu rumo. Dr. Plinio costumava ir à sede da Congregação Mariana, onde passava, na companhia de seus correligionários, o resto do serão. Dª Lucilia, por sua vez, entregava-se às suas longas orações e nelas permanecia até o regresso de seu “filhão”. Quando este retornava, cerca de meia-noite, ao encontrar sua mãe em plena vigília, cumprimentava-a com afeto e imediatamente entabulavam uma pequena conversa sobre os acontecimentos do dia. Podiam comentar a polêmica havida no jantar daquela noite, o estado de saúde deste ou daquele parente, algo da política internacional ou — tema que interessava muito a Dª Lucilia — as atividades e planos de seu filho. Nessa hora não perderia ela, certamente, a oportunidade de lhe dar um bom conselho, ou de precavê-lo contra as surpresas que a vida nunca deixa de apresentar.
Era essa a repousante “prosinha” da meia-noite, na qual Dr. Plinio não só se encantava com as palavras de sua querida mãe, mas sobretudo sentia-se atraído pela atmosfera de calma e doçura que ela criava.
Embora o senso católico permeasse intensamente aquele convívio, os temas religiosos eram pouco freqüentes. Ao serem estes abordados, demoravam-se neles mais tempo. Por onde quer que Dª Lucilia levasse a conversa, fazia-o de modo tão afetuoso e elevado, deixava transparecer tanta suavidade de alma, que até mesmo os assuntos mais corriqueiros em seus lábios se tornavam cativantes.
Com o correr do tempo, a “prosinha” da meia-noite adquiriu o caráter de uma instituição que atravessou as décadas, perdurando até os últimos anos da longa existência de Dª Lucilia.
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Tempo de apreensões e esperanças


As separações iam se tornando mais frequentes, à medida que aumentavam os compromissos apostólicos de seu filho Dr. Plinio, o qual ia se destacando como jovem e ardoroso líder mariano em todo o País. Essa projeção acontecia numa importante conjuntura histórica, nacional e internacional.
Com efeito, às profundas transformações nas mentalidades e nos costumes que abalavam o mundo nas primeiras décadas do século XX, seguiram-se revoluções políticas. Contudo, em nosso imenso e pacato Brasil a vontade de não lutar sobrepujou quase sempre a vontade de vencer. Na maioria dos casos, hábeis manobras evitaram confrontos cujas consequências poderiam ter sido trágicas.
Até 1930 o Brasil viveu sob um regime conservador, de base rural e com traços aristocráticos, que afirmava sua adesão doutrinária a uma democracia liberal. A história qualificou este regime de República Velha.
A situação internacional, a partir de 1918, exerceu efeitos desestabilizadores em nosso país. Três grandes impérios — Áustria-Hungria, Alemanha e Rússia — vistos como bastiões do conservadorismo, haviam desaparecido. Subia ao zênite o sistema político norte-americano, sustentáculo do apogeu econômico daquela nação e da irradiação de seu way of life.
No Brasil teve início uma onda de protestos em vários setores, exigindo a coerência da prática política com a inspiração doutrinária. No sulco da exacerbação de ânimos, a revolução de 1930 ia derrubar a República Velha.
Era natural que Dª Lucilia visse com desassossego as sublevações que marcavam o fim de um Brasil e o início de outro.
“Se fosse uma cruzada...”
Dr. Gabriel, seu irmão, que havia pouco fora Secretário da Agricultura, chegou à casa de Dª Gabriela explicavelmente alarmado por graves notícias, vindas de vários pontos do País. À hora do almoço, ocorreu um revelador diálogo entre ele e Dª Lucilia. Conhecendo-a bem, disse-lhe em tom de afetuosa provocação que Plinio devia ir se preparando para a mobilização militar, pois o governo estava para convocar todos os moços.
Se de um lado Dª Lucilia estava disposta a sacrificar seu filho pela Igreja, de outro jamais concordaria em que o enviassem para uma guerra civil na qual estavam envolvidos meramente, pelo menos na aparência, interesses políticopartidários. Por isso, sem perder a afabilidade, replicou a seu irmão com aquela firmeza toda sua:
— O Plinio não vai!
Para ver até que ponto chegava o ardor religioso da irmã, Dr. Gabriel comentou em tom de crítica:
— Para isso você não o deixa ir, mas se se tratasse de uma guerra de religião, de uma Cruzada, você o mandaria para a primeira fileira...
Ao que ela retrucou com vivacidade:
— É verdade! Se fosse para uma Cruzada, eu seria a primeira a mandar o Plinio para a batalha. E ele seria o primeiro a enfrentar os inimigos.
“Daqueles a quem Deus dá Fé, Ele próprio exige Esperança”
O levante armado de 1930 apanhou o jovem Plinio numa fazenda em Campos do Jordão, onde estava com primos seus a passar alguns dias. Evidentemente, a preocupação de Dª Lucilia pela integridade de seu filho foi enorme, sobretudo porque tornavam-se insistentes os rumores sobre uma mobilização geral dos moços em idade militar para combater as tropas revoltosas.
Plinio, logo que pôde, enviou-lhe uma carta, transbordante de amor filial, em que descrevia a esplêndida fazenda, onde estava recebendo excelente acolhida. Sua mãe não precisava se preocupar com o bem-estar nem com a saúde dele.
“Minha queridíssima Mãezinha
Não fossem as imensas saudades que sinto de todos e particularissimamente da Senhora, e também o receio de que seu pessimismo esteja arruinando sua saúde, e eu me sentiria perfeitamente bem nesta belíssima e confortável fazenda.
Os panoramas são lindos. Tem-se a impressão perfeita de estar vendo uma vista tiroleza. Aquela amenidade européia da natureza é aqui encontrada em todas as paisagens. Nunca pensei que isto aqui fosse tão estupendo. A casa é uma habitação em estilo brasileiro antigo e conta mais de 100 anos. Tem umas fechaduras enormes, com chaves colossais, o que é muito interessante. Está a habitação perfeitamente “amenagée” [bem-arranjada], com luz elétrica, água corrente e encanada e todo o conforto possível. Tomamos até banhos quentes!!!
Não lhe escrevi há mais tempo, porque as comunicações com a vila são muito difíceis. Dista a Vila de Capivari uma hora daqui. O mato aqui é muito denso e temos feito de manhã alguns passeios. Por isto, só lhe escreverei uma ou duas vezes por semana.
André tem sido para conosco de uma amabilidade perfeita. Tem nos tratado com uma solicitude extrema e com a maior gentileza. A mesa é excelente, e temos comido com um apetite extraordinário. Já entrei em um leitão e em um cabrito. Ando mais corado do que nunca!! O clima tem sido excelente, e muito temperado. Para maior tranquilidade sua, tenho a declarar que tenho sido de uma prudência absoluta, no resguardo de minha saúde. Tenho tomado toda a cautela no observar o intervalo entre os banhos e as refeições (diga-o a Rosée), e também me tenho resguardado de ventos encanados, etc, etc, inclusive de balançar em cadeiras que não são de balanço. (...)
Este repouso, para minha cabeça, será ótimo. Não tenho ainda começado a ler, para aproveitar a oportunidade de descansar bem.”
Após dizer que havia comungado por Dª Lucilia em Pindamonhangaba e pedir notícias da família, Plinio lhe dá um filial conselho naquele tão convulsionado período.
“Vamos, agora, à Senhora. Espero que tenha a suficiente dose de espírito religioso requerida pelas circunstâncias. A Esperança é uma virtude que decorre da Fé.
Daqueles a quem Deus dá Fé, Ele próprio exige Esperança. Espere, portanto, em Deus, porque nenhum fio de cabelo cai de nossa cabeça sem que Ele consinta. E, sendo assim, que temos nós a recear, quando somos protegidos por um Deus de Poder e Misericórdia infinitos? A Senhora, que gosta tanto de se orientar pelos princípios de Vovô Ribeiro, deve lembrar-se da grande confiança que ele tinha em Deus, a ponto de dar seus últimos 2$000 a um pobre, certo de que nada lhe faltaria, enquanto não lhe faltava a graça de Deus! E a Senhora, que, ao contrário dele, frequenta os Sacramentos, deve ter em Deus uma confiança ainda muito maior.
Comungue assiduamente, mas sem sacrifício para sua saúde, e reze muito a Nossa Senhora. O resto se arranjará.
Mande afetuosíssimos abraços e beijos a Papai, Rosée, Vovó e Maria Alice. A Antônio, um apertadíssimo e fraternal abraço. À tia Yayá, Tio Adolpho, Dora, e Adolphinho, muitos abraços e saudades. A todos os demais da família, o mesmo.
Para a Senhora, finalmente, todo o meu coração, todo o meu afeto, todo o meu carinho e todo o meu respeito. Abençoe o filho que tanto a quer.”
Pouco depois, Plinio escrevia novamente a sua mãe, renovando com o respeito de filho as recomendações da anterior missiva:
“Minha querida Mãezinha
Escrevo-lhe esta, para lhe enviar um afetuosíssimo beijo, e lhe pedir que se lembre de que é católica, e de que a proteção de Deus nunca lhe faltará. Comunguei hoje aqui, e rezei muito pela Senhora e por todos os nossos. Jesus me atenderá.
Muito cuidado com o fígado. Envie a Papai e a Rosée afetuosíssimos beijos. Outro tanto para Vovó, Maria Alice. Para a Senhora, meu bem, todo o meu coração. Até breve. Abençoe o seu
Filho”
Quem lê, noutra carta da mesma época — desta vez escrita por Dª Lucilia a Plinio — a referência às incontáveis orações feitas na intenção dele, para que Deus o preservasse dos perigos, bem pode notar a aflição em que ela se encontrava.
“São Paulo, 13-10-930
Filho querido!
Espero em Deus, que estejas com saúde, e por Ele, te peço, que com o máximo cuidado e prudência, evites toda e qualquer moléstia ou acidente.
O meu fígado vai melhor do que supunha, e, quanto à minha saúde, não te preocupes, pois vou passando regularmente. Tua avó está em franca convalescença, felizmente. Maria Alice ainda tosse um pouco, mas já está boazinha, e reza todos os dias por tua intenção. Eu o faço o dia todo.... são terços, coroas, ladainhas, novenas, etc.... já mandei pedir orações às freiras da Luz, que me mandaram umas quatro ou seis pedrinhas do túmulo de Frei Galvão, que desejaria poder mandar-te para [que] as tragas sempre junto a ti, para te curar ou preservar de moléstias e perigos. Vou mandar pedir orações também às freiras das Perdizes, e mando acender todos os dias uma vela a Santo Expedito. Fiz promessas ao Sagrado Coração de Jesus, a Nossa Senhora Auxiliadora, Santa Teresinha do Menino Jesus, e a São Luís, teu protetor. Deus permita que a paz volte logo! Nós ficaremos na Capital, pois creio que nada haverá por aqui. Teu pai, irmãos, e o pessoal de teu tio, mandam abraços.
 “Doida” de saudades, te abraço, te beijo muito, e muito, e te cubro de bênçãos.
De tua mãe muito extremosa,
Lú”
“Não cesso de pedir por ti!”
Talvez por dificuldade de comunicação naqueles convulsionados dias, Dª Lucilia não pôde enviar a seu filho a carta acima. Nesse meio tempo, tendo recebido por um portador a primeira missiva que Plinio lhe escrevera da fazenda, ela, com o coração apertado de saudades, acrescentou às linhas anteriores, em 16 de outubro, estas palavras cheias de unção:
“Não me tendo sido possível enviar-te esta no dia em que te escrevi, a seguir escrevo-te de novo. Com grande prazer e comoção, li tua carta, que conservo sempre á mão, para a reler todas as vezes que apertam as saudades, que são imensas!
Meu filho, peço-te mais uma vez, que te esforces por andar bastante, pois nesta época, receio que te vejas obrigado a grandes caminhadas, sem training algum, o que te será duplamente penoso. Não cesso de pedir por ti, e só me sinto tranquila, quando o faço, e muito! (...)”